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Todo mundo já sabe mais ou menos o que esperar quando começa a ler Dom Casmurro, do Machado de Assis. Quando meu clube do livro escolheu essa leitura no ano retrasado, já imaginei todo um debate gostoso sobre o bom e velho Capitu traiu ou não traiu. Sabe o que eu não esperava? Um tórrido romance LGBT nas entrelinhas e, principalmente, nas linhas.


Eu não tô brincando, gente. Sei que nesse blog faço piada com tudo, mas o subtexto homoerótico entre Bentinho e Escobar é real. Tudo começou com esse meme aqui:


Quer dizer, eu achei que fosse um meme, mas é toda uma teoria embasada nas pistas escondidas por Machado à espera do gay certo. Quanto mais eu ia lendo, mais ficava Nossa. Eita. Rapaaaaaaz. Juro pra vocês, a tensão sexual nas páginas de Dom Casmurro me balançou mais que os últimos romances gays que li. Chegou certo ponto do livro, eu não estava mais nem aí pra saber quem era Capitu, afinal nem se quisesse ela conseguiria alguma coisa com Escobar, que só tinha olhos para o Bentinho.

"Os padres gostavam de mim, os rapazes também, e Escobar mais que os rapazes e os padres"

Isso é quando Bentinho começa a contar como foi a adolescência dele no seminário, que é um colégio católico que forma padres, obviamente só para meninos. Assim... ATÉ AÍ TUDO BEM. Ele acabou de conhecer o Escobar e, de repente, já são grandes amigos. Até que vem essa confissão:

"Escobar, você é a pessoa que mais me tem entrado no coração"

"Bentinho, a verdade é que não tenho relações com ninguém aqui, você é o primeiro e creio que já notaram, mas eu não me importo com isso"

Logo em seguida, eles são repreendidos por um padre porque se abraçaram no pátio. O padre diz que eles não precisam demonstrar tanto afeto assim, "podem estimar-se com moderação". A solução dos dois amigos é dar as mãos às escondidas, longe dos olhares indesejados.

Eu não sei por que gastei minha adolescência inteira indo numa igreja evangélica se toda diversão acontece nos seminários católicos.

Ok que vocês podem achar pouco, mas eu não acabei. Amo a parte em que o Escobar conhece a mãe do Bentinho e percebe que ela é muito bonita.

"Está muito moça e bonita! Também a alguém há de você sair"

Meu deus, gente, que flerte sutil. Ao mesmo tempo em que Escobar elogia a mãe, encaixa rapidamente um elogio à beleza de Bentinho.

MANDARAM ISSO NO GRUPO DO CLUBE e achei pertinente

Existem outras passagens menos reveladoras, mas que carregam muito potencial quando lidas com os olhos certos. Quando Bentinho pergunta, irritado, por que Escobar não foi jantar na casa dele, e o segundo rebate que não foi convidado, para ouvir um "E precisa???". Ou as inúmeras vezes que Bentinho deixa claro que a opinião de seu amigo hétero Escobar é tudo que ele precisa ouvir. Ou ainda quando Bentinho APALPA os braços de Escobar, como um gay clássico, e diz "Nossa, que braços de nadador!"

De qualquer forma, porém, o detalhe que deixou minhas pernas bambas é o porta-retrato sobre a mesa do escritório do Bentinho com uma foto do Escobar. Isso mesmo, nosso protagonista trabalhando o dia todo olhando para a foto de seu grande amigo, como todos nós fazemos. Nenhuma menção a outras fotos, nem da Capitu, nem do filho, nem da mãe... Mas tudo bem! Intrigante inclusive que a foto foi dada pelo próprio Escobar como um presente. Não é uma foto deles juntos. Não é uma foto das famílias, não é um grupo de pessoas que por acaso inclui o Escobar. Não. É uma foto EXCLUSIVAMENTE DO ESCOBAR. Posando para a câmera. Não bastasse tudo isso, ainda vem com uma dedicatória:

"Ao meu querido Bentinho, do seu querido Escobar"

COMO É LINDO HOMENS QUE SE AMAM NA CAMA COMO AMIGOS!!!

Eu encerro meu caso aqui.

PS: Esse texto é uma versão revisada e atualizada do que antes foi publicado no meu falecido blog pessoal, o Não Sei Lidar.


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Gente, realizei meu sonho de participar do podcast literário MAIS BADALADO DA INTERNET, aquele que faz da minha vez de lavar a louça um momento feliz! Fui convidado para participar do Teste da Estante, e o episódio já está no ar!


Falei de Gay de Família, sobre como foi para mim toda essa repercussão, como eu estou agora escrevendo um livro que vai ser publicado por uma editora grande, dei indicação de leitura, contei qual influencer literário eu pegaria se meu marido MORRESSE e ainda participei do Super Quiz! Um jogo onde fui uma derrota completa, mas o que vale é a intenção.

Adorei estar com os hosts! Quem quiser me ouvir falando um MONTE, só ir lá conferir o podcast


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Fiquei mais de um mês sem ligar pra minha mãe. O pior de tudo é que nem percebi.

Um dia, se eu tiver tempo e oportunidade, ainda vou escrever um livro sobre isso. No que tange questões familiares, eu nunca me identifiquei 100% com uma família representada na ficção. Temos as famílias felizes, dessas que tem uns conflitos no meio, mas no fim das contas todo mundo coloca as diferenças de lado e se ajuda quando precisa. Tem aquelas pessoas que vivem pela família. Tem a irmã que se voluntaria como tributo pela outra. Tem os pais que se sacrificam pelos filhos. Lógico que o outro lado da moeda também aparece bastante nos livros e filmes: as famílias completamente despedaçadas, abusivas, disfuncionais. Sempre tem alguém que ama demais, sempre tem gente que se odeia até a morte. É um espectro até bem abrangente, mas minha família está nele? Difícil dizer.


Não tenho nenhum carinho especial pela minha genealogia, talvez porque eu seja um fruto que caiu um pouco longe da árvore. Acho o conceito de "laço de sangue" uma bobagem. Amo minha mãe porque ela me criou, não porque ela me pariu. Sigo esse mesmo raciocínio com os demais parentes. Uma tia que nunca teve participação na minha vida é apenas uma conhecida. Dos meus primos distantes eu mal sei o nome. Às vezes a gente se aproxima, às vezes a gente se afasta e, para mim, isso é natural. É o que acontece com todas as minhas amizades: um amigo com o qual eu não tenho mais assunto, que a gente nunca se procura, nunca se vê, vira uma lembrança. Os parentes que esperam de mim alguma coisa só por sermos da mesma família estão fadados à frustração. Esse texto começa com eu esquecendo que tenho uma mãe, pelo amor de Deus.

E, gente, eu realmente amo a minha mãe. Quando vou visitar, fico grudado nela. Adoro o carinho que ela me dá, amo abraçá-la. Ela tem um riso facílimo que me deixa muito feliz. Minhas irmãs, meus primos e tias, minhas crianças, eu não tenho nada contra ninguém. Nenhuma briga mal resolvida, nenhum ódio mortal básico por causa das eleições 2018, se algum dia alguém me tratou mal eu já esqueci. A gente se dá bem, de vez em quando a gente senta para rir e conversar, passo horas nos jogos de tabuleiro com meus sobrinhos... 

Então, assim, é um mistério eu não sentir saudades de ninguém

O que eu tenho pela minha família é gratidão, eu acho. Fui amado em todas as linguagens do amor na infância e adolescência. Minha mãe fez de um tudo para me manter numa escola boa (e se você como eu também nasceu numa família classe C, sabe que esse tudo é muita coisa), sempre incentivou meus estudos, criou com unhas e dentes minhas oportunidades. Se hoje eu tenho um diploma que ela nunca teve, um emprego estável que ela também nunca alcançou, um salário que dá para sustentar a mim e a ela, foi tanto mérito dela quanto meu. Eu gosto de todos os demais, mas mais de uma vez pensei que, se minha mãe morresse, não sei o que me faria ir até eles novamente sem ela por lá.

Já conversei com amigos sobre isso, embora talvez devesse levar para um psicólogo, sou muito curioso em saber por que as pessoas amam suas famílias. Talvez você que me lê nunca tenha pensado sobre isso, para algumas pessoas soa como "Por que você gosta de sorrir?", mas encontrei algumas respostas. "Porque eles são meu porto seguro". Eu sou muito bom em resolver meus problemas sozinho e, quando preciso de colo, é meu marido quem me dá. Se o problema é o meu marido, minhas melhores amigas estão a postos. Quando me imagino triste e devastado, não penso na casa da minha mãe como lugar de curar minhas feridas. Nossa, ia ter que responder tantas perguntas! Eu prefiro até ficar chorando minhas pitangas sem ninguém. "Porque meus melhores amigos estão lá". Pois os meus estão todos do lado de fora. Ninguém da minha família é meu amigo íntimo. Meus segredos, minhas aflições e planos eu conto para outras pessoas. Eu jogo no Twitter, mas não compartilho com parente. "Porque eles me sustentam". Já tem uns anos que eu sou financeiramente independente, inclusive tem gente na minha família me devendo horrores.

A sensação que eu tenho, e eu evito dizer isso em voz alta, é que eu não preciso da minha família para nada. Eles poderiam sumir que minha vida não iria piorar. Aliás, era capaz da minha vida melhorar (muito mais dinheiro, menos telefonemas que não gosto de dar, menos eventos que não gosto de ir, menos pessoas para eu me preocupar...). Não que eu queira que eles MORRAM. Se todo mundo falecer num acidente trágico de avião, por exemplo, eu vou sofrer largado, mas digo sumir mesmo, pluft, como se nunca tivessem existido. Um cenário completamente irreal, eu sei, mas penso demais nisso. Tem dias que eu quase quero que eles sumam. Acho que tem a ver com o fato de que esse tipo de família a gente não escolhe. Num universo alternativo em que meus parentes são desconhecidos, acho que ninguém seria amigo de ninguém. Minha mãe ia olhar pra mim e dizer "Homem bobo esse, não fala nada com nada". Às vezes acho que a gente se ama porque não tinha muitas outras opções saudáveis.

Enfim, vira e mexe me debato com esse conflito. Já fui ao Google várias vezes ver se é sintoma de psicopatia (não é). Eu nem fui criado por lobos nem nada, na minha família somos todos hienas sorridentes. Pensar assim não chega a me fazer mal, além de umas leves crises de consciência, só fico constrangidíssimo perto de gente que liga para a mãe todos os dias sem falta.

PS: Esse texto é uma versão revisada e atualizada do que antes foi publicado no meu falecido blog pessoal, o Não Sei Lidar.


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