Leia mais Read more
Fonte: Upklyah (Freepik)

Lá pelo meio de 2020, decidi que me esforçaria para me tornar um influenciador digital. Por quê? Ah, tá todo mundo virando, né. É uma carreira que começou a tomar seu lugar no mundo aos poucos até que, no ápice da pandemia, pelo menos para mim, se tornou a única profissão possível. Ninguém é mais um advogado na internet. Não é o bastante ter um diploma em medicina. Se você, desafiando todos as estatísticas da geração Y, conseguiu montar um negócio rentável offline, se você conseguiu seu diploma e de fato arrumou um emprego, provavelmente descobriu que seu currículo vale cinco balas Juquinha perto de um perfil bombado no Instagram.

Eu estava mais ou menos nessa vibe errada aí.

Veja bem, eu tenho um diploma e um emprego. Uma combinação que até hoje paga todas as minhas contas e ainda me permite sonhar em ser um escritor de sucesso. Mas só sonhar mesmo, porque, na minha cabeça naquela época, até eu conseguir meu perfil com engajamento perfeito e ter 10 mil seguidores, era jogar dinheiro fora. Aí eu inventei que queria aparecer. Já sei! Vou criar conteúdo! O mal do século, gente. Modéstia à parte, eu me considero engraçado. E acho que, se espremer bem, sai de mim um conteúdo razoável. Provavelmente vou me arrepender dessa frase anterior. Mas o fato é que eu também sou um rostinho bonito! Não daqueles que as pessoas seguem só por ser bonito, mas pelo menos um que ninguém passa direto por ser feio. Ou seja, tenho potencial.

Então comecei a planejar meu conteúdo incrível sobre literatura, escrita criativa, clubes do livro. Tava lindo! Também separei uns dias para comentar sobre ser gay, uma atividade recém-adquirida nos últimos cinco anos que descobri executar muito bem. Produzi logo uns dois meses de conteúdo, agendei horrores, o Instagram estava ficando todo faceiro. Organizei uma lista com cinquenta ideias para o futuro que me dariam ainda mais o que postar. Aprendi a editar vídeos, gravei stories, IGTV, arrisquei meia dúzia de Reels, meu plano tinha tudo pra dar certo!

Tive um colapso uma semana depois.


Não demorou para eu descobrir que ODEIO produzir conteúdo que não envolva digitar apenas os textos que eu quero digitar. Mas isso é conversa pra outra hora. Meu desgosto principal foi perceber a quantidade absurda de horas necessária para eu seguir nessa jornada. Inviável pra mim. Era muito tempo com o celular na mão. Ficar acompanhando os feeds intermináveis do Twitter e do Instagram, tentando me manter relevante, comentando em postagens só para ser notado, isso foi me matando aos poucos. No meio do colapso, eu simplesmente parei com tudo. Larguei os perfis, sumi do Twitter, dei até um tempo que dura até hoje nos meus clubes do livro online. Não foi como uma detox, foi mais como uma derrota. Tipo, se eu nunca vou conseguir meu Instagram com dez mil seguidores, para quê sequer tentar escrever um conto ou um romance? Quem vai querer ler um escritor flopado?

Acabei esbarrando com o livro "How to do nothing" (aqui no Brasil lançado como "Resista! Não faça nada") da Jenny Odell que, assim, não tenho como resumi-lo aqui. A autora desfia uma ideia bastante complexa que não caberia numa thread do Twitter, porque passa por várias áreas da nossa vida em sociedade, mas uma coisa que acertou meu coração é quando ela diz que redes sociais são um delírio coletivo e ficar offline é tudo de bom. Ok, ela não chega a dizer isso no livro, mas defende como passar pelo menos algum tempo offline pode ser muito mais útil para você e o mundo ao seu redor do que ficar o dia todo vendo meme e xingando minion no Twitter.

Jenny Odell, a última pessoa sã no mundo

No fundo, meu problema nunca foi passar muito tempo online, mas, sim, nunca escolher quando ficar online. Por mim tudo bem se eu acordar dizendo Ok, vou passar o dia inteiro no sofá tweetando. É uma escolha. Minha. Mas, não sei se acontece com você nós dois sabemos que acontece, mas estou sendo gentil, às vezes eu digo que vou ler um livro, pego o livro onde o deixei, deito no sofá, abro na página em que parei e fico duas horas no celular. Fico com sede, vou abrir a geladeira, recebo uma notificação no whatsapp e morro de desidratação porque sento pra ficar rolando feed. Demoro o dobro de tempo pra fazer qualquer coisa porque fiquei 5 minutos de fato fazendo e meia hora na rede social mais favorável no momento. Indo lá e cá, mas mais lá do que cá. E, no fim do dia, eu não sinto que escolhi nada disso. Eu tinha uma lista de desejos para o dia, e nenhum deles era morar no meu celular. Foi como se eu fosse obrigado a prestar atenção naquele monte de coisa que eu tenho certeza que o meu cérebro nem é capaz de processar adequadamente. Isso gera ansiedade, histeria, tédio, aquele sentimento de tudo estar acontecendo ao mesmo tempo e, o que mais me pegava, cansaço. Porque o tempo todo tava lá eu sendo multitarefa: lendo um livro & online, digitando um relatório & online, passando pano na casa & online, cagando & online. Nunca uma coisa só, sempre pelo menos duas ou três e isso cansa.

A gente conhece aquela paz interior que só ficar um fim de semana ou um mês, nem que seja um dia desconectado, bem longe das redes sociais, nos dá. Mas cheguei à conclusão de que é inviável a longo prazo, pelo menos no meu caso. Não é o que eu quero também. Não quero ficar sem nunca mais falar com meus amigos no whatsapp. Quero trocar mensagem quando eu estiver a fim! Não quero ler todos os tweets da minha timeline e depois ficar reclamando que o dia tá chato, quero interagir o necessário pra rir um pouquinho e me informar. Não quero ficar longe do Instagram pra sempre, quero... mentira, Instagram foi com Deus mesmo, rede tóxica chata do caralho.

Enfim. Tô cultivando alguns hábitos básicos.

1. Morte ao Instagram. Ou à rede-nêmesis da sua escolha, tem site podre para todos os gostos.

2. Tirei todas as notificações de redes sociais e whatsapp. "Mas e se me mandarem uma mensagem urgente?" Se for urgente de verdade, vão me ligar.

3. Mexer no celular só depois de tomar café da manhã.

4. NUNCA levar o celular para o banheiro. Além de um atraso de vida, é anti-higiênico.

5. Separei momentos no dia para estar online e acho que esse é meu grande trunfo. Coloco até despertadores para me avisarem "Oi, se você quiser entrar no Twitter, esse é um bom momento". Daí eu pego meu celular, paro de fazer qualquer outra coisa que eu esteja fazendo, sento num lugar e fico ali até me dar por satisfeito. Isso é muito específico e vai de cada um, mas, se alguém tiver curiosidade, os meus momentos online são 10h, 14h e 20h.

É uma coisa que eu que sou apenas um mané que escreve num blog não sei explicar, mas, gente, a vida ficou tão MAIS LEVE. Deve ter um estudo em algum lugar sobre isso, pesquisem aí. Essa sensação constante de que tudo está acontecendo ao mesmo tempo e a gente não consegue acompanhar é balela, um sentimento falso causado pro estarmos com a cara enfiada o tempo todo no celular. Diminuindo meu tempo online, consegui perceber que, quando eu finalmente me conecto, nada de importante aconteceu no Twitter. O que aconteceu na minha ausência continua lá me esperando, e eu consumo tudo de uma vez no momento que eu escolhi, podendo prestar a devida atenção. A mesma coisa no Whatsapp: meus amigos estão todos lá, ninguém morreu. 

Ainda digo mais! Minha experiência com as redes sociais melhorou. Fico mais animado para conferir as novidades depois de um período offline. E vejo as notificações todas de uma vez. Me sinto uma celebridade, porque se antes eu via na hora toda notificação que chegava, cada 1 like, 1 reply, 1 mensagem, como uma galinha catando milho, agora eu pego o celular e estão lá: 10 pessoas falando comigo. Um sucesso!



Importante dizer que eu comecei com isso em Maio de 2021, e até agora tudo vai muito bem. Descobri coisas legais para fazer offline, ressuscitei velhos hobbies que eu tinha deixado de lado por causa do celular (como escrever nesse blog). Acho que, em maior ou menor grau, todo mundo se beneficia de se dar um tempo para respirar e não consumir por osmose informação nenhuma.

É isso, gente. Esse foi o meu jeito de não deixar o Mark Zuckerberg nem o Jack do Twitter destruírem minha alma, mas eu adoraria saber se mais alguém anda nessa jornada de manter a sanidade mental. Tem algum hábito diferente que tá funcionando para você? Conhece algo que poderia me ajudar a ir mais longe nesse caminho? Me recomenda alguma leitura? Diga aí.

Você tá feliz? Vamos trabalhar pra ficar.

Quer acompanhar o site mais de perto além de receber conteúdo extra na sua caixa de entrada? Assine a newsletter do blog.


Ler Comentários

Se você tem a curiosidade de saber como um casal homoafetivo SENTE quem é que tem que pedir o outro em casamento, já adianto que infelizmente não é hoje que você vai descobrir. Quem souber por favor me conta, porque comigo simplesmente aconteceu.


É engraçado porque pedir a mão de alguém tecnicamente envolve uma resposta: a pessoa pode dizer sim ou ser o dia mais humilhante da vida de quem pediu. Por isso que comigo e o Arthur nem passou pela minha cabeça ter que pedir nada. Como assim pedir por uma coisa que ele já me deu? Acredito que ele se sentia do mesmo jeito. Não estávamos casados no papel, mas parecia uma mera formalidade que alguma hora a gente ia cumprir porque alguém lá atrás gritou GAY RIGHTS e também porque tenho muito interesse em herdar o patrimônio dele quando ele morrer.

Fomos noivos de pandemia, sabe, mais um desse casais que decidiram passar a quarentena juntos. Causamos uma grande comoção na internet quando postamos nossa foto de CASADOS, mas a verdade é que pra gente mudou pouco ou muito pouco. Eu casei com alguém que já era meu marido. Então pra quê, sabe?

Para o Arthur, era questão da gente deixar tudo formalizado, porque vai que acontece alguma coisa que deixa um de nós com a mão na frente e outra atrás. No caso, eu morrer, né, já que sou idoso e Arthur fica doente apenas uma vez a cada cinco anos. Também é mais fácil para conseguir acesso a serviços que apenas casais conseguem, como plano de saúde compartilhado e coisas assim. Ainda bem que ele existe na minha vida para pensar nesses aspectos práticos, pois meus interesses eram apenas os mundanos. 

Sinceramente, não dou a mínima para casamentos. Acho as festas chatíssimas, tudo brega demais e, o pior de tudo, absurdamente caro. A indústria do casamento é uma máfia, eu tenho certeza. A gente só queria realmente formalizar, então nada de festa, nada de lua de mel, nada de convidados. Se tinha uma faísca de cerimônia acesa no meu coração, a pandemia matou, de qualquer forma. Nem avisamos ninguém, só pesquisamos o que tinha que fazer, agendamos no cartório e pronto.

Tweet de @felipe_fgnds: "Não me enchem os olhos os frufrus do casamento, pra mim é assinar um documento e pronto, EXCETO que sou obcecado por alianças. Quero que as pessoas me vejam e fiquem nossa um homem de aliança e eu sim sou um homem de aliança, aqui está a aliança no meu dedo"

Se na cabeça do Arthur era só um papel, na minha, ah, meus amigos, eu só queria saber da aliança. NÃO SEI EXPLICAR a sensação de empoderamento gay que uma aliança me dá. A primeira vez que eu saí do armário pra alguém foi um grande alívio, muito emoção e acolhimento. A segunda vez também, uma maravilha. Aí teve a terceira e a quarta e... ok, tudo certo. Na quinta e na sexta, eu já tava ai, porra, vai ser isso pra sempre? E, adivinhem, vai. Eu não aguento mais ter que revelar que sou gay, que estou num relacionamento com um homem. É uma informação muito simples, mas sempre passo pelo nervoso de imaginar a quebra de expectativa da pessoa, um pouquinho de medo da reação, um leve desconforto. Fico tentando descobrir o melhor momento de me assumir explicitamente e, se não encontro, depois fico me culpando por não ter deixado o mundo saber do meu #Orgulho. Isso cansa. A aliança no dedo já faz metade do serviço pra mim.

Eu entro no recinto, e as pessoas já sabem que ali vai um homem casado. Quem me conheceu solteiro já pergunta "Você casou???" e eu preciso apenas dizer "Sim, com o Arthur". Se a pessoa comete a gafe de presumir uma esposa, eu corrijo "esposa não, marido". É a vitória do gay sobre a heteronormatividade, gente! A aliança empoderadora de gay automaticamente me coloca na posição de controle da minha própria narrativa. Deixo para os outros o embaraço, pois eu estou bem seguro de mim com minha aliança.

Arthur acha tudo um grande delírio meu. Mas tudo bem!

Estava achando tudo muito divertido, daí que eu quase morri quando bati o olho nos valores. DOIS MIL REAIS NUM ANEL??? A essa altura do campeonato, eu já tinha perdido o Arthur faz tempo, porque ele é contra qualquer coisa que custe muito mais do que realmente valha. Convenhamos, gente, é só um anel. "Ah, mas é de ouro 18k". Sim, amiga, mas ainda assim é só um anel que você pode perder, pode passar um bandido e levar junto com o seu dedo... A verdade é que nunca fui de usar anel nenhum e não tinha ideia de quanto exatamente custava um comum. Bem ou mal, alianças tendem a ser argolinhas douradas e simples, mas, apenas por conta da comoção em torno de um casamento, custa os olhos da cara. Eu não queria começar meu casamento sendo a burra que perde dois mil reais porque foi lavar a louça e a aliança desceu pelo ralo.

Resolvi comprando uma aliança de R$ 7,99 kkkkkkkkk

Tweet de @felipe_fgnds: "A mulher foi assaltada e levaram a aliança dela, meu maior medo. Principalmente porque a minha custou 7,99 e o bandido me daria um tiro só pelo desrespeito ao trabalho dele"

Só assim pra eu ter a paz necessária para andar no Rio de Janeiro exibindo minha mão de homem casado. Aposto que quem vê a gente na rua, eu com aliança e Arthur sem, fica achando que é com ele com quem traio minha esposa grávida de 8 meses. Mas tudo bem! Tô dizendo que vai ser um teste, só pra ver se eu me acostumo. Se alguém reparar que é uma biju, vou dizer que é a aliança do bandido, a de verdade está em casa. Mas sei que, quanto mais eu uso essa, mais percebo que vou ficar com ela o tanto que ela durar. Vou ao mercado reparando no dedo das pessoas casadas e, sinceramente, não vejo diferença alguma. Talvez todo mundo use aliança de 7,99, então deveríamos normalizar isso.

A Meredith Grey, que é médica e podre de rica, casou via post-it e todo mundo achou fofo, então parece que o que vale é a intenção. Isso e o sentimento, coisa que aqui em casa tem de sobra.

Eu tô muito feliz, vocês nem precisam perguntar.


Quer acompanhar o site mais de perto além de receber conteúdo extra na sua caixa de entrada? Assine a newsletter do blog.


Ler Comentários

Oi, gente!

Nesse fim de semana, gravei mais uma participação no "Eu Lírico", o podcast literário da minha amiga Laura Rubianes. O episódio sai nesse mês e, assim que for ao ar, venho aqui avisar vocês.

No "Eu Lírico", a Laura tem um foco especial em livros de suspense, mas também fala de literatura em geral: Resenhas, listas, curiosidades e um convidado melhor que o outro.


Para quem ainda não conhece, já participei duas vezes: uma comentando com a Laura sobre o fenômeno editorial & delírio coletivo A Garota do Lago,  e a outra dizendo que todo mundo em Frankenstein da Mary Shelley é gay. 

Todos os episódios do podcast estão disponíveis no Spotify e em outras plataformas :)


Quer acompanhar o site mais de perto além de receber conteúdo extra na sua caixa de entrada? Assine a newsletter do blog.


Ler Comentários