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Eu tinha acabado de trabalhar num romance enorme e estava exausto. Mandei para concursos, agências, editoras, todo mundo recusou. Fiquei "Bom, ou eu publico na Amazon por minha própria conta ou jogo no lixo". Mas eu não sou otária de jogar trabalho fora, né. Queria publicar na Amazon, seria minha primeira história escrita de forma profissional. Eu amava a história, só pra constar.

Mas tinha um problema. Alguns, na verdade.


Como eu disse, era um romance enorme, mais de 100 mil palavras, coisa que depois de muito sofrer revisando eu prometi a mim mesmo que jamais faria novamente. Mas agora já tinha feito. Se eu fosse levar essa publicação para frente, ia morrer numa grana com revisor, preparador, diagramador. Quanto mais palavras, mais caro todos os serviços. Além disso, quem compra um romance de 500 páginas ou mais de um desconhecido? Para piorar, meu romance, por sua natureza gigantesca, trata de vários assuntos, possui muitos personagens e acontecimentos. Vários plots. De um jeito que fica difícil resumir o melhor dele numa sinopse curta que chama atenção. Eu sou mestre em desenvolver tramas em que tudo acontece enquanto nada acontece. São apenas as pessoas vivendo a vida delas, e é isso. Eu amo esse tipo de história, mas as sinopses saem tudo assim: "Fulano vive um drama com a família. E no trabalho dele também. E no relacionamento dele aconteceu isso. Ele também tá se descobrindo gay. E quer adotar um cachorro. E inventar um novo sabor de sorvete". Juro, eu amo. Mas QUEM quer ler isso, escrito desse jeito? No meu coração, eu estava sentindo que era o tipo de livro que um escritor lança depois de ter feito muito sucesso com outra coisa. Algo do tipo, bom, eu AMEI aquele outro livro do Felipe, esse daqui parece extremamente desinteressante, mas como foi ele quem escreveu vou dar uma chance. Só assim eu via futuro pro meu livro exaustivo.

Daí eu coloquei na cabeça que precisava estrear na Amazon com algo novo. Eu queria mesmo causar um BOOM, sabe? Chamar atenção, meter o pé na porta, ser visto. Tinha que ser uma história curta para me poupar trabalho, tempo e dinheiro. Tinha que ter uma sinopse concisa que imediatamente capturasse os leitores certos. Tinha que ser uma trama em que eu não deixasse a peteca cair em nenhum momento, que fosse o auge do meu humor. Foi assim que nasceu Gay de Família, a novela, e o resto vocês já sabem.

Não vou ser modesto, meu público amou. Os números não mentem, as avaliações foram ótimas, Gay de Família alavancou minha carreira a um patamar que eu nem sonhava em chegar ainda.

Mas talvez eu tenha ousado demais.

Apenas umas trinta pessoas em todo o planeta Terra devem saber que já publiquei meia dúzia de histórias no Wattpad. Comecei com uma ficção cristã. Jesus aparece no livro e tudo. Acho que peguei o gosto, porque nunca mais parei. Adoro criar histórias simples, mas engraçadinhas, que no fundo, no fundo, possuem uma mensagem escondida, que às vezes é um tanto cafona. Não sei se é uma prática natural ou o mal de todo escritor inexperiente, mas eu colocava muito de mim em todos os meus protagonistas. Escrevi o menino recatado da igreja, o nerdzinho tímido, a menina crente de bom coração, o garoto assexual que só queria fazer o mundo mais feliz, adultos que não tinham tempo para falar palavrão nem para transar... Fico até meio constrangido quando lembro as histórias que narrei antes de Gay de Família. Não porque elas sejam cafonas, isso elas são mesmo e eu amo, mas, caramba, eu estou pelado naquelas páginas. Todo mundo é muito eu. Ou alguém que eu já fui, alguém que sentaria comigo no recreio.

Mas em Gay de Família?

Eu escrevi "Sei que é ridículo achar que um brinquedo vai definir a sexualidade da criança no futuro. Meu pai me encheu de bola de futebol, e tô aí até hoje dando o cu", o que levantou a sobrancelha de alguns leitores.

Mas não satisfeito fui lá e escrevi também "Eu deveria chupar o pau do Ulisses até me dar câimbra na boca", o que foi no mínimo inesperado.


A verdade é que o Diego, o protagonista dessa história escrachada, tem bem pouco a ver comigo na superfície. Sejamos francos, no melhor sentido da palavra, o Diego é uma PUTONA. Eu nem sonho em viver tudo que esse gay já viveu na vida. O Diego é expansivo, extrovertido, por vezes explosivo. Diego fala sem pensar, bota a boca no trombone e se mete em barraco mesmo quando não precisa. Se ele quer dar, ele dá; Se quer chupar, ele chupa; Diego fala palavrão, xinga o irmão, explora as crianças. Eu criei um personagem interesseiro, malandro, fútil e fofoqueiro. Daí que AMEI cada linha disso.

Quando joguei Gay de Família no mundo e vi a história sendo abraçada por leitores, abrindo as portas de uma agência literária e de uma editora, eu soube que tinha acertado. Valeu a pena demais.

Só que em algum momento veio a síndrome do impostor. Ou uma prima dela, sei lá.

***

Com certeza ninguém fez por mal, mas uma vez cheguei num evento literário e me disseram "VOCÊ é o autor de Gay de Família??? Eu esperava, você sabe, um ser humano BEM GAY". Teve um amigo meu que me mandou mensagem esses dias perguntando se eu mesmo que tinha escrito aquilo. Mais de uma vez os leitores dos meus antigos blogs, gente que me acompanha desde o comecinho de tudo, me disseram que amaram meu livro, mas não imaginavam que eu era capaz daquilo. Mas meus parabéns, Felipe.

Por um lado, confesso, me sinto um escritor excelente. Não é essa a magia da ficção? Um bom ator não é aquele que interpreta personagens tão diferentes entre si que a gente até esquece que é a mesma pessoa por trás? Eu vivo dizendo isso: eu sou escritor, gente, meu trabalho é mentir por escrito. Em Gay de Família eu apenas menti muito.

Mas tem essa voz na minha cabeça que às vezes aparece dizendo que eu estou enganando todo mundo.

Você não é assim. Você não fala desse jeito. Você nunca fez isso, nunca fez aquilo, um dia vão descobrir que você é um gay farsante.

Daí que simplesmente minha história mais doida, elaborada pra ser uma novelinha de 6 capítulos, cai no gosto do povo. Quem leu quer mais. Me pedem mais livros no Twitter. Me perguntam quando vem a continuação no Instagram. A editora me sugere transformar Gay de Família num romance, um livro com muitos capítulos e páginas, várias páginas de Diego. Quem sabe uma série de livros. Eu tô aqui que não me aguento.

***

Andei me estranhando dia desses com Gay de Família, a versão final do romance. Fiz até um LEVANTAMENTO de quantas vezes escrevi uma frase que eu teria vergonha de dizer em público. Fiz mesmo, não é piada, esse é o top 10:

41 porra
16 transa
12 puta que pariu
11 cu
9 pau
9 putaria
9 foda
8 puta
7 sexo
5 caralho

Estava aqui pensando que talvez eu me sinta melhor se eu cortar esses números pela metade. Tipo, eu posso fazer isso. Eu sou o escritor. Quem sabe assim eu não entre em combustão imaginando minha mãe e meus conhecidos da igreja lendo o livro. Talvez desse jeito os leitores vão entender que quem escreveu essa história foi um gay básico e cansado de 30 anos.

PORÉM, ao mesmo tempo, eu fico: Mas eu estou com vergonha de quê? O Diego é assim. Existem muitos Diegos por aí e eles são válidos. Com as devidas ressalvas, não há nada de errado em ser como o Diego, em falar como o Diego, em transar com a mesma frequência que o Diego. Se você não tem um amigo Diego, você é o amigo Diego. Tenho vergonha de verem que escrevi um palavrão? Eu sou um homem de 30 anos, porra. Caralho. Boceta. Não sou mais um adolescente cantando os hinos da Harpa Cristã nos cultos de domingo. Ninguém paga as minhas contas. Ninguém pode me deserdar. Quanto mais eu penso a respeito, mas eu acho que é uma vergonha boba. Eu ainda a sinto, ela é real, mas é boba.

É verdade que eu cresci na igreja. Que meu primeiro beijo foi só com 26 anos. Que eu entrei no Tinder e casei com meu primeiro e único encontro. Também é fato que até hoje eu nunca bebi álcool. Que eu não tenho nenhuma aptidão física e mental para encarar um banheirão. Mas o que ninguém esperava é que, ah, meus queridos, eu tenho uma menta muito criativa e pelo visto muito safada também. 

Eu tenho que dar um jeito de me entender com isso.


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Vocês sabem que eu escrevo livros, né? E acho que eu escrevo porque, antes, sempre fui de ler. Tem muita gente que não curte uma boa leitura, e eu entendo a maioria dos motivos, mas livro pra mim sempre foi uma arte muito fácil. Não precisa de um manual de instrução. Você pega o livro e lê. A sua bagagem emocional vai te guiar por um caminho que pode ser diferente do caminho que eu vou percorrer com o mesmo livro, mas em algum lugar você vai chegar. Então, para mim, isso já basta. 


Vale o mesmo para filmes, séries, enfim, narrativas, sabe? Artes desse tipo são autoexplicativas (tirando aqueles filmes ruins que você tem que ir na internet entender o final - ou eu que sou burro?). Você lê, assiste, consome e, se tudo der certo, entende. A arte imediatamente te causa algo. Pode ser algo legal ou desagradável, você pode gostar ou não, mas ela fez o que veio fazer e vida que segue.

Quadros não são assim. Pinturas, esculturas. 

Na maioria das vezes, não contam história nenhuma nem precisam ter significado algum. Eles apenas são. Parece super profundo dizer isso, mas é justamente o motivo pelo qual nunca consegui me conectar com esse tipo de arte. Juro pra vocês, pode ser o romance mais bobo que for, mas um livro sempre está dizendo alguma coisa. A pessoa que escreveu pode até nem ter noção, mas o livro está falando. Na construção dos personagens, no rumo da história, nos diálogos, no desfecho. O leitor pode até achar que está passando ileso por um livro, mas ledo engano. Agora, por uma pintura? Às vezes aquela cesta de frutas é só uma cesta de frutas mesmo. Aquela maçã não significa a derrocada do capitalismo. A banana não é a depressão do pintor. Nossa, por que será que a artista fulana pintou o céu de verde? Uma crítica ao status quo? Não, gente, acabou a tinta azul naquele dia. É tipo isso. Mas aí é que tá: não é sempre assim. Há várias artes plásticas cheias de críticas e dores e dramas e histórias por trás, mas às vezes é simplesmente muito difícil diferenciar, ainda mais quando você começa a entrar na arte contemporânea.

Isso tudo só para dizer que até então eu nunca tinha apreciado um quadro de verdade. Minha sensibilidade artística sempre foi dizer "Nossa, esse rosa combinou com o azul, amei", mas só. Já vi gente chorando na frente de um pintura ou então contemplando uma obra de arte por vários minutos, hipnotizados, aí, quando eu fui olhar, era um troço que pareciam ter feito de má vontade e ainda derramaram café em cima. Eu não entendo, sabe. Eu sou a pessoa que vai em museus e pensa "Ué, gente, um monte de móvel velho? Quem vai querer ver isso?". Tenho toda uma birra com museus e galerias de arte em geral porque acho que eles não se esforçam o suficiente para entreter o público, como fazem por exemplo um cinema ou, sei lá, uma vitrine de shopping. Eu deveria ir preso só por publicar essas opiniões, né.

Aí meu marido comentou que queria passar nossas férias numa cidade cheia de museus.


Belo Horizonte foi a escolha óbvia por vários motivos: 1) É uma cidade muito bonita, e eu e Arthur temos esse desejo de conhecer cidades bonitas 2) É perto do Rio de Janeiro, onde a gente mora, então é um lugar que nosso orçamento de férias alcança 3) Belo Horizonte era alvo desse comentário MARAVILHOSO que a gente encontrou num blog de viagem que publicou sobre o que fazer na cidade:

Transcrição do comentário do Gleyson: "A pior capital para se visitar,nada que realmente seja interessante, geografia péssima,onde faz de uma caminhadinha uma experiência aflita O que salva é a culinária, mesmo assim sabendo garimpar, transito caótico,motoristas ruim de roda,parece nunca ter frequentado uma auto escola"


Transcrição do comentário do Gleyson: "Moda cafona, a falsidade das pessoas parece ser o carro chefe, onde vc esta num roda de amigos, virou as costas pra ir ao banheiro vc vira o assunto… Ponto turístico principal uma lagoa, ou seja um esgoto a céu aberto, impossível ficar perto em alguns pontos, não se tem uma ciclovia que preste, transporte publico é uma vergonha,metrô nem se fala, melhor seria não ter de tão insignificante queé a linha…resumindo, não perca seu tempo e dinheiro vindo a bh"


Transcrição do comentário do Gleyson: "De Belo, o Horizonte não tem nada, a diversão é apenas bar, bar,bar,bar,bar e mais bar, se vc não é um alcoolatra, ai que fica sem opção de oq fazer mesmo". Abaixo, Larissa responde: "Gente???"

Gente, eu juro por tudo que é mais sagrado, eu CHOREI DE RIR lendo esse comentário, estou falando literalmente de LÁGRIMAS ESCORRENDO pela minha cara. FOI NO BANHEIRO VIROU ASSUNTO. A LAGOA É UM ESGOTO A CÉU ABERTO. MODA CAFONA. O que encerra com chave de ouro é o completo choque da dona do post que nem tem o que responder diante de tanta loucura: "Gente???".

A GENTE PRECISAVA IR PRA BH!!! E fomos. Deus abençoe Gleyson.

Abençoada seja também Larissa Vida Cigana, pois o post dela nos guiou dia e noite na cidade. Éramos nós quatro pra cima e pra baixo: Eu, Arthur, Gleyson e Vida Cigana. Qualquer mínimo morro que a gente subia, um de nós dois falava "Meu Deus, que experiência aflita". Cada Uber que a gente pegava, ficávamos na expectativa de ser ruim de roda ou do trânsito ser caótico. Todas as pessoas foram extremamente gentis com a gente O TEMPO TODO, mas graça ao Gleyson comentarista de portal sabíamos que a falsidade é o carro chefe do pessoal de BH, devia estar todo mundo falando da gente quando íamos ao banheiro. Tudo que dava errado, eu ficava "Gente???". Ai, que delícia de viagem.

***

O Gleyson deve ter um desafeto com museus muito maior do que o meu pra dizer que Belo Horizonte só tem bar, porque, gente, VÁRIOS MUSEUS. Ficamos lá cinco dias e dava para sortear em qual museu a gente queria ir. Eu poderia falar de todos aqui, mas sinceramente? Se você quer um roteiro de viagem sério, vá lá ler o blog da Vida Cigana, aqui eu só venho com a farofa. Então: O PIOR E O MELHOR MUSEU DE BH!!!

O PIOR MUSEU: Casa Kubitschek. É a casa em que o ex-presidente morou. Fica às margens da Lagoa da Pampulha O ESGOTO A CEU ABERTO, e a casa em si é, bem, uma casa. É o que eu já falei sobre museus, sempre fico com a impressão de que eles não se esforçam para me entreter. Lá na Casa Kubitschek, por exemplo, os cômodos estão lá de pé, legal, há meia dúzia de móveis aqui e ali, você entra num quarto e tem uma cama, um guarda-roupa, uma cadeira antiga num canto e é isso. Legal. Tá bom, gente, mas cadê a história? O que o Juscelino Kubitschek fez naquele quarto? Quem dormia ali? Cadê as fofocas? Não tem? Nenhuma? Pelo amor de Deus, inventem. Falem que foi nesse quarto que, sei lá, alguém morreu. Que fulano traiu cicrana. Que o bebê beltrano nasceu. Arrumem essas histórias e colem nas paredes, ENTREGUEM AO PÚBLICO ALGO MAIS QUE UMA CADEIRA VELHA. A Casa Kubitschek poderia ser a casa de qualquer pessoa. Vá lá se você quiser ver uma casa.

O MELHOR MUSEU: De longe, o Inhotim. Ah, mas ele nem fica em Belo Horizonte. Mas esse texto é meu. Escreve o seu aí. O Inhotim de fato fica na cidade de Brumadinho, mas eu e Arthur fizemos um bate-volta que valeu super a pena. O próprio lugar se proclama um "museu a céu aberto", mas, sinceramente, eu acho que só gostei porque não lembra em nada um museu. É na verdade um imenso jardim com uma ou outra obra de arte aqui e ali. Por mim, tudo bem. Tem muita arte contemporânea, algumas delas interativas, a maioria belíssimas. Entre as belíssimas também conto o homem pelado ao vivo e a cores exposto numa das galerias, Deus abençoe. Mas são os jardins que realmente tornam o tour incrível. Flores, árvores, plantas de vários tipos. Apenas um milionário entediado para fazer do quintal dele um centro artístico, está de parabéns.





***

Mas, no meio do caminho, uma exposição sobre a Nise da Silveira me impactou mais do que o pênis do moço no Inhotim. Para quem não sabe, como eu também não sabia, A Nise da Silveira era Deus. As religiões ao redor do mundo esse tempo todo completamente equivocadas. Gente, QUE MULHER. A Nise foi uma médica psiquiátrica que dedicou a vida todinha a humanizar o tratamento que os pacientes das alas psiquiátricas recebiam. Ela foi contra vários tipos de tratamento violentos lá pelas décadas de 50-70, tratamentos que hoje nós consideramos absurdos. As descrições são horrorosas. Mas a mulher não apenas tentou, ela foi lá e fez. Seria impossível resumir nesse texto tudo o que eu vi, mas até pra cadeia a Nise foi e lá dentro fez vários contatos que a ajudaram a expandir sua influência.

Numa das salas da exposição (vimos no CCBB da Praça da Liberdade!), vários quadros estavam sendo exibidos. Pois é, arte desse tipo que eu olho e fico "Ok, um quadro". Aquarela, óleo sobre tela, essas coisas. Eu não estava entendendo muita coisa, como sempre. Eram no geral pinturas retratando janelas coloridas e até aí tudo bem. Em algum lugar por lá estava escrito que a Nise pedia autorização para tirar alguns pacientes das alas e levar para o ateliê dela, para passarem o tempo pintando o que quisessem, uma espécie de terapia através da arte. O ateliê dela tinha um janelão, daí esse tanto de janela, a maioria dos pacientes pintava o que estavam vendo.


Lá estava o quadro do Emygdio de Barros, mais uma janela psicodélica, bem bonito até. Mas foi a notinha com uma fala da Nise ao lado do quadro que me quebrou:

"Eu o trouxe porque já faz dias que, quando vou buscar os outros que têm autorização, noto no canto do olho deste a vontade de vir também. Diante disso, baixei a cabeça. Saber ler no canto do olho de um esquizofrênico não é para qualquer pessoa, não. Nem psiquiatra, nem psicólogo, nem sábio de qualquer espécie. Em seguida, procurei o psiquiatra do Emygdio para dar uma satisfação da vinda dele para o meu ateliê. E ele me disse: – Se quiser autorização, eu dou, mas não adianta nada porque ele já está há 23 anos internado, em estado de decadência psicológica muito profunda, e não vai fazer nada que preste"

E daí o homem se transformou num dos gênios da pintura brasileira??? Gente, eu fiquei DESTRUÍDO. O quadro agora tinha todo um significado que eu não estava vendo antes. O quadro era praticamente um MILAGRE. O Emygdio de Barros internado há décadas, a galera tratando como se ele fosse uma pessoa sem valor nenhum, não dando nada por ele, só Deus sabe o que esse homem sofreu, pra chegar a Nise e dar uma chance. O quadro me deixou pensando tanta coisa! Imagina quanta gente talentosa deve existir por aí, mas NUNCA será descoberta. Imagina quantas pessoas só precisam de 1 chance, literalmente UMA, para revelar uma arte simplesmente necessária. A melhor escritora pode ser uma mulher que nunca publicou um livro. O melhor cantor pode ser um homem que nunca subiu num palco. A melhor bailarina é uma garota que nesse momento está trabalhando numa fábrica para levar comida para dentro de casa. O melhor comediante é um senhor muito feliz internado num hospital. É extremamente triste.

Em algum momento ali encarando o quadro do Emygdio, eu chorei.

Ainda não sei dizer se todo quadro tem uma história, mas às vezes eles dão com ela bem no meio da nossa cara.

***

BH é uma cidade belíssima, recomendo.



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