Não são poucas as vezes em que uma discussão no Twitter me dá vontade de beber cloro. Se você me acompanha por lá, porém, duvido que já tenha me visto entrar num bate-boca com alguém se já viu, favor manter-se em silêncio. Eu leio os absurdos e deixo minha OJERIZA privada, sabe? Inclusive, recomendo. Mas teve um dia aí que acho que Jesus passou na timeline, porque li uma sequência de tweets e não quis morrer.


Eu amo a Giu Domingues (autora de Luzes do Norte!). Se você não ama, é porque nunca pediu ajuda a ela. Nesse fatídico dia, aparentemente, ela estava inspirada para criar um pouco de caos no mundinho literário. Ao ler esse tweet, minha primeira reação foi pensar PELO AMOR DE DEUS, PRA QUE ISSO? SUA MÃO VAI CAIR. Todo mundo sabe que eu sou da opinião de que TODA HISTÓRIA pode ser contada em 300 páginas. Se tem mais de 300 páginas, é porque quem escreveu falhou.

Um pouco polêmico.

Eu tô brincando, não acredito nisso de verdade (Mas dei sim uma gargalhada triunfante quando a editora me avisou que Gay de Família ia ter 272 páginas)

Minha crença mais ou menos real é que, se um livro é muito grande, é porque há mais do que a história ali. Agora tô falando sério. Tipo, uma história de amor com 500 páginas? Impossível. Não existe um bom motivo pra uma trama ser tão enrolada assim. Vale para comédias, fantasia, dramas, seja o que for. Tem gordura sobrando. Cenas extras. Tramas paralelas que não acrescentam muito ao fio principal. Páginas e páginas que, se alguém arrancasse escondido, o leitor nem ia dar falta ao chegar ao final do livro.

Daí que muita gente nesse tweet da Giu respondeu exatamente isso: QUE HORROR, DÁ PRA CORTAR ESSE LIVRO. E eu concordo, dá mesmo, sempre dá. Mas não acho que precisa.

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Não vou explicar toda a minha técnica, porque já falei sobre minha falha de caráter que é pular partes de livros. Cenas, parágrafos, páginas, capítulos. É difícil eu bater o olho num livro na minha estante do qual eu não tenha pulado pelo menos algumas linhas. Falei falha de caráter só pela piada, porque na verdade é qualidade de vida.

Uma vez fui comentar no Twitter sobre pular páginas e uma querida veio grandona pra cima de mim dizer que quem faz isso não tá lendo de verdade. Que então eu nunca tinha lido um livro na vida. Que todas as partes de uma história são importantes, que quem escreveu pensou em cada vírgula para transmitir as emoções corretas, tudo milimetricamente arquitetado para se conectar com os leitores.

Lógico que eu não respondi, pra evitar a fadiga. Mas, gata, eu sou escritor. E Deus sabe que às vezes EU MESMO NÃO FAÇO IDEIA do que está rolando no meu livro. Eu apenas escrevo e sai do jeito que sai. Que milimetricamente arquitetado o quê. Isso é português, não é matemática. É arte. Gay de Família é do jeito que é porque eu senti que ele tinha que ser assim. Claro, foi editado, revisado, reescrito e deu trabalho pra caramba pra um monte de gente, mas, no geral, é pura mágica.

Leitores tentando entender uma vírgula 
que eu nem lembro de ter colocado no livro

Eu acredito mesmo que um livro grande tem mais que a história nele, tem gordura. E essa gordura é simplesmente algo que quem escreveu sentiu de pôr no livro. Pode não avançar a história, pode não aprofundar personagens, pode ser uma cena completamente inútil que, se o editor tivesse metido a faca, o livro ainda seria o mesmo, mas quem escreveu quis.

Às vezes é uma cena de sexo longuíssima no meio de um romance. Um diálogo de cinco páginas no meio de um drama. Uma mulher comendo uma torta por literalmente 5 minutos no filme A Ghost Story (2017). Meia hora de info dump numa ficção científica porque lá no meio das palavras técnicas quem escreveu quis homenagear alguém famoso.

Me perguntando quantas tortas inteiras a Rooney Mara
teve que comer pra essa cena sair perfeita

Há cenas em Gay de Família que você pode pular tranquilamente e eu não vou bater no portão da sua casa exigindo explicações. As cenas são inúteis pra história. Mas arte não existe pra ser útil, esse é meu ponto. Você pode pular as cenas, mas EU as coloquei no livro porque PRA MIM elas são divertidas, engraçadas, preciosas. São cenas que me arrancam gargalhadas e, se elas fazem isso comigo, é essa alegria que eu quero compartilhar com os meus leitores. Meu livro é uma comédia, né.

E eu repito: você pode mesmo pular essas cenas. Foda-se que eu as acho divertidas. Se não forem divertidas pra VOCÊ, pra quê lê-las? Pra quê ficar se arrastando por páginas e páginas num suplício sem fim se você pode apenas ir direto para a parte que te toca?

A maioria das histórias têm gordura. Umas mais, outras menos, não é crime. Faz parte de ser arte. Faz parte de existir sentimento ali. Você como leitor pode querer que um livro de 600 páginas tivesse 200 páginas a menos. Mas não é obrigação de quem produziu a peça te dar isso. 

Não quer ler, pule, ué. O livro está literalmente nas suas mãos.

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Uma amiga querida (essa uma querida de verdade, não irônica) veio me perguntar: mas, Felipe, será que não tem que ter um equilíbrio? A obra ser um pouco do que o autor quer e um pouco do que o público gosta? Ela deu o exemplo do James Cameron, cada vez mais maluco das ideias, querendo lançar um filme de três horas. Óbvio que existe gordura aí. Cenas inúteis que poderiam facilmente ser retiradas do filme. Cenas que talvez enfadem boa parte do público. 

Mas eu acho que a resposta é não.

Ser artista é uma área cinza.

Veja bem, a gente pode optar por não ver um filme de 3 horas (Deus me livre me submeter a isso). Um produtor pode escolher não investir nesse filme por achar que vai ser um flop. Um artista sabe disso. O James Cameron sabe. Mas essa é a única opção que está nas nossas mãos, a de não consumir a arte. O artista, sabendo disso, consegue pesar os prós e contras e fazer o que preferir.

A cara de quem não tem pena da bunda dolorida 
do pessoal no cinema assistindo 3 horas de filme

Artistas não são prestadores de serviço. Escritores, cantores, pintores etc não estão servindo o público. Nenhum leitor me contratou para escrever um livro. É a minha arte. Eu enquanto artista tenho os meus propósitos, onde eu quero chegar, o que eu quero causar, que tipo de pessoa eu quero alcançar, mas esses são critérios meus. Eu só sirvo a mim mesmo. Quem gostar gostou, quem não gostar segue em frente, tem outros livros.

Ah, mas esse filme TINHA que ser menor. Esse livro TINHA que ser mais engraçado. Essa música TINHA que ser mais dançante.

Não tinha nada, gente. É tipo alguém chegar em você falando "Nossa, sua roupa tá muito feia hoje, vá trocar". Amada??? A roupa é minha, eu que vesti, sabendo que ia ter gente que ia gostar mais e outras menos, tudo bem, mas só quem pode decidir como eu me visto sou eu mesmo. Eu até poderia colocar uma roupa melhor para te agradar, mas talvez esse não seja meu objetivo??? Vida que segue.

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Sinceramente, acho que sempre vai ter gente para consumir todo tipo de arte. Existe público para tudo. Talvez você não seja o público-alvo de uma obra, talvez o artista queira alcançar pessoas de outros públicos também, isso acontece. A gente só torce para as pessoas certas se encontrarem.