Assim que a pandemia começou, fui morar na casa do Arthur. Éramos apenas namorados, mas, como ninguém sabia direito como a covid funcionava, achamos perigoso ficar transitando entre as casas. Claro que era temporário, fui só pra ficar alguns dias, talvez algumas semanas. Minha casa, minhas roommates, tava tudo lá me esperando voltar. Nunca mais voltei. Os dias viraram semanas que viraram meses que viraram uma aliança no meu dedo.


Já comentei aqui que casar não mudou muita coisa na minha vida, porque já morávamos juntos, né? Que diferença fazia uma certidão? Era meu namorado, virou meu marido, mas eu nem tive pra quem contar essa notícia pessoalmente, porque ficamos 100% isolados. Foram uns seis ou sete meses sem sair de casa depois do meu casamento. Por mim tudo bem, eu sou muito paciente.

Só com as vacinas no braço que a gente decidiu botar a cara na rua. E aí, sinceramente, estava tudo igual. Quase tudo. Eu estava diferente. Meu estado civil. Confesso que eu nem lembrava que, para a maioria das pessoas, casar é um grande passo.

Mas o ponto é que eu ainda não sei me comportar enquanto casal.

Sinto que, ao invés de estar lá vivendo muito feliz minha lua-de-mel entre quatro paredes, deveria estar estudando como minha vida seria no mundo real. Não sei se me acerto agora. Toda vez que eu saio de casa, eu preciso lembrar que sou MARIDO de alguém. Acho muito fácil ser marido dentro de casa, no isolamento foi. Mas ao ar livre eu vivo parando para pensar.

Chega a ser engraçado quando um amigo ou amiga me chama pra sair já esperando que meu marido vá comigo. Arthur que me perdoe, mas às vezes nem passou pela minha cabeça levar ele, já que quem chamou não o citou. Aí eu chego lá e a pessoa "Cadê o Arthur?????". Sei lá, gente, ficou em casa?

Já passei por isso quando solteiro, mas do outro lado. Eu chamava uma amiga para um rolê, doido para abrir meu coração pra ela e desabafar sobre mil coisas, daí na hora me aparecia ela e o namorado/marido. Eu metia um sorriso no rosto, mas por dentro ficava MEU ANJO, POR QUE VOCÊ TÁ AQUI? Por isso evito levar Arthur de surpresa a menos que a pessoa peça por ele. Mas também me cansa tentar adivinhar.

Eu vendo minha amiga chegando com um boy pro nosso date

Ando fazendo uns combinados aqui em casa: tem evento que eu QUERO que ele vá, daí pergunto pra quem me chamou se ele pode ir comigo. Tem rolê que ele PODE ir se quiser, geralmente passeios em grupo que já vai um monte de casal mesmo. Mas tem coisa que eu PREFIRO ir sozinho, porque acho que ele vai ficar deslocado ou eu apenas quero um tempo só pra mim. A gente já mora junto, me parece lógico. Tem evento que ele simplesmente não quer ir.

Rindo que aparentemente eu odeio meu marido.

Eu acho incrível como que, para a maioria das pessoas, esse drama nem existe. Elas simplesmente vão juntas ou não vão. Um tempo atrás, viajei com meus amigos para outra cidade, e na hora de escolher os assentos no ônibus entrei em parafuso porque não sabia com quem sentar. Com meu marido era a resposta mais óbvia, mas sempre? PELO RESTO DA MINHA VIDA, eu vou ter que sentar ao lado dele no ônibus? Me pergunto se todo mundo espera isso de uma pessoa casada, se é automático. Eu NUNCA MAIS vou poder viajar ao lado da minha melhor amiga, por exemplo, se meu marido estiver presente?

Isso não é tipo uma pessoa que se diz fã de rock só poder ouvir rock dali pra frente? Nada de pagode ou pop, apenas rock. CALA BOCA DESGRAÇADA VOCÊ É ROCKEIRA. Quem inventou isso, sabe?

É verdade que, na grande maioria das vezes, eu quero a companhia do meu marido. Já dei umas de doido, sentei com outras pessoas e me arrependi porque com ele seria mais legal. Se eu puder escolher apenas uma pessoa para me acompanhar, é difícil alguém bater o homem que eu mais amo no mundo. Mas também não é impossível, eu acho. Anda bem popular o discurso de que há amigos certos para os momentos certos: tem amigo que é excelente para viajar com a gente, mas é péssimo em dar conselhos. Tem os amigos de bar, os de cinema, os de trilha, os de farra, os de tomar um café. Nenhum amigo precisa ser bom em tudo e acho que por mim tudo bem. Então, por que quando casamos, faria sentido levar o cônjuge para todo canto? O SEU MARIDO SE GARANTE? O meu talvez, mas eu com certeza não. Já avisei que, se um dia Arthur participar daqueles programas de perguntas & respostas na TV que ele precisa ter um ajudante em casa procurando as respostas no Google, esse ajudante jamais deve ser eu, pois sou burro e lerdo. Ele tem amigos muito mais capazes. Me chame apenas para torcer e ajudar a gastar o dinheiro do prêmio. Na minha cabeça, faz todo sentido.

Arthur não dá a mínima. Risos. 

Diz que eu penso demais, o que não é nenhuma novidade. É só que eu não consigo parar de ver essas regrinhas invisíveis do casamento. Nunca imaginei que seria um ato transgressor sentar ao lado de uma amiga.