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Assim que a pandemia começou, fui morar na casa do Arthur. Éramos apenas namorados, mas, como ninguém sabia direito como a covid funcionava, achamos perigoso ficar transitando entre as casas. Claro que era temporário, fui só pra ficar alguns dias, talvez algumas semanas. Minha casa, minhas roommates, tava tudo lá me esperando voltar. Nunca mais voltei. Os dias viraram semanas que viraram meses que viraram uma aliança no meu dedo.


Já comentei aqui que casar não mudou muita coisa na minha vida, porque já morávamos juntos, né? Que diferença fazia uma certidão? Era meu namorado, virou meu marido, mas eu nem tive pra quem contar essa notícia pessoalmente, porque ficamos 100% isolados. Foram uns seis ou sete meses sem sair de casa depois do meu casamento. Por mim tudo bem, eu sou muito paciente.

Só com as vacinas no braço que a gente decidiu botar a cara na rua. E aí, sinceramente, estava tudo igual. Quase tudo. Eu estava diferente. Meu estado civil. Confesso que eu nem lembrava que, para a maioria das pessoas, casar é um grande passo.

Mas o ponto é que eu ainda não sei me comportar enquanto casal.

Sinto que, ao invés de estar lá vivendo muito feliz minha lua-de-mel entre quatro paredes, deveria estar estudando como minha vida seria no mundo real. Não sei se me acerto agora. Toda vez que eu saio de casa, eu preciso lembrar que sou MARIDO de alguém. Acho muito fácil ser marido dentro de casa, no isolamento foi. Mas ao ar livre eu vivo parando para pensar.

Chega a ser engraçado quando um amigo ou amiga me chama pra sair já esperando que meu marido vá comigo. Arthur que me perdoe, mas às vezes nem passou pela minha cabeça levar ele, já que quem chamou não o citou. Aí eu chego lá e a pessoa "Cadê o Arthur?????". Sei lá, gente, ficou em casa?

Já passei por isso quando solteiro, mas do outro lado. Eu chamava uma amiga para um rolê, doido para abrir meu coração pra ela e desabafar sobre mil coisas, daí na hora me aparecia ela e o namorado/marido. Eu metia um sorriso no rosto, mas por dentro ficava MEU ANJO, POR QUE VOCÊ TÁ AQUI? Por isso evito levar Arthur de surpresa a menos que a pessoa peça por ele. Mas também me cansa tentar adivinhar.

Eu vendo minha amiga chegando com um boy pro nosso date

Ando fazendo uns combinados aqui em casa: tem evento que eu QUERO que ele vá, daí pergunto pra quem me chamou se ele pode ir comigo. Tem rolê que ele PODE ir se quiser, geralmente passeios em grupo que já vai um monte de casal mesmo. Mas tem coisa que eu PREFIRO ir sozinho, porque acho que ele vai ficar deslocado ou eu apenas quero um tempo só pra mim. A gente já mora junto, me parece lógico. Tem evento que ele simplesmente não quer ir.

Rindo que aparentemente eu odeio meu marido.

Eu acho incrível como que, para a maioria das pessoas, esse drama nem existe. Elas simplesmente vão juntas ou não vão. Um tempo atrás, viajei com meus amigos para outra cidade, e na hora de escolher os assentos no ônibus entrei em parafuso porque não sabia com quem sentar. Com meu marido era a resposta mais óbvia, mas sempre? PELO RESTO DA MINHA VIDA, eu vou ter que sentar ao lado dele no ônibus? Me pergunto se todo mundo espera isso de uma pessoa casada, se é automático. Eu NUNCA MAIS vou poder viajar ao lado da minha melhor amiga, por exemplo, se meu marido estiver presente?

Isso não é tipo uma pessoa que se diz fã de rock só poder ouvir rock dali pra frente? Nada de pagode ou pop, apenas rock. CALA BOCA DESGRAÇADA VOCÊ É ROCKEIRA. Quem inventou isso, sabe?

É verdade que, na grande maioria das vezes, eu quero a companhia do meu marido. Já dei umas de doido, sentei com outras pessoas e me arrependi porque com ele seria mais legal. Se eu puder escolher apenas uma pessoa para me acompanhar, é difícil alguém bater o homem que eu mais amo no mundo. Mas também não é impossível, eu acho. Anda bem popular o discurso de que há amigos certos para os momentos certos: tem amigo que é excelente para viajar com a gente, mas é péssimo em dar conselhos. Tem os amigos de bar, os de cinema, os de trilha, os de farra, os de tomar um café. Nenhum amigo precisa ser bom em tudo e acho que por mim tudo bem. Então, por que quando casamos, faria sentido levar o cônjuge para todo canto? O SEU MARIDO SE GARANTE? O meu talvez, mas eu com certeza não. Já avisei que, se um dia Arthur participar daqueles programas de perguntas & respostas na TV que ele precisa ter um ajudante em casa procurando as respostas no Google, esse ajudante jamais deve ser eu, pois sou burro e lerdo. Ele tem amigos muito mais capazes. Me chame apenas para torcer e ajudar a gastar o dinheiro do prêmio. Na minha cabeça, faz todo sentido.

Arthur não dá a mínima. Risos. 

Diz que eu penso demais, o que não é nenhuma novidade. É só que eu não consigo parar de ver essas regrinhas invisíveis do casamento. Nunca imaginei que seria um ato transgressor sentar ao lado de uma amiga.


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Eu tinha acabado de trabalhar num romance enorme e estava exausto. Mandei para concursos, agências, editoras, todo mundo recusou. Fiquei "Bom, ou eu publico na Amazon por minha própria conta ou jogo no lixo". Mas eu não sou otária de jogar trabalho fora, né. Queria publicar na Amazon, seria minha primeira história escrita de forma profissional. Eu amava a história, só pra constar.

Mas tinha um problema. Alguns, na verdade.


Como eu disse, era um romance enorme, mais de 100 mil palavras, coisa que depois de muito sofrer revisando eu prometi a mim mesmo que jamais faria novamente. Mas agora já tinha feito. Se eu fosse levar essa publicação para frente, ia morrer numa grana com revisor, preparador, diagramador. Quanto mais palavras, mais caro todos os serviços. Além disso, quem compra um romance de 500 páginas ou mais de um desconhecido? Para piorar, meu romance, por sua natureza gigantesca, trata de vários assuntos, possui muitos personagens e acontecimentos. Vários plots. De um jeito que fica difícil resumir o melhor dele numa sinopse curta que chama atenção. Eu sou mestre em desenvolver tramas em que tudo acontece enquanto nada acontece. São apenas as pessoas vivendo a vida delas, e é isso. Eu amo esse tipo de história, mas as sinopses saem tudo assim: "Fulano vive um drama com a família. E no trabalho dele também. E no relacionamento dele aconteceu isso. Ele também tá se descobrindo gay. E quer adotar um cachorro. E inventar um novo sabor de sorvete". Juro, eu amo. Mas QUEM quer ler isso, escrito desse jeito? No meu coração, eu estava sentindo que era o tipo de livro que um escritor lança depois de ter feito muito sucesso com outra coisa. Algo do tipo, bom, eu AMEI aquele outro livro do Felipe, esse daqui parece extremamente desinteressante, mas como foi ele quem escreveu vou dar uma chance. Só assim eu via futuro pro meu livro exaustivo.

Daí eu coloquei na cabeça que precisava estrear na Amazon com algo novo. Eu queria mesmo causar um BOOM, sabe? Chamar atenção, meter o pé na porta, ser visto. Tinha que ser uma história curta para me poupar trabalho, tempo e dinheiro. Tinha que ter uma sinopse concisa que imediatamente capturasse os leitores certos. Tinha que ser uma trama em que eu não deixasse a peteca cair em nenhum momento, que fosse o auge do meu humor. Foi assim que nasceu Gay de Família, a novela, e o resto vocês já sabem.

Não vou ser modesto, meu público amou. Os números não mentem, as avaliações foram ótimas, Gay de Família alavancou minha carreira a um patamar que eu nem sonhava em chegar ainda.

Mas talvez eu tenha ousado demais.

Apenas umas trinta pessoas em todo o planeta Terra devem saber que já publiquei meia dúzia de histórias no Wattpad. Comecei com uma ficção cristã. Jesus aparece no livro e tudo. Acho que peguei o gosto, porque nunca mais parei. Adoro criar histórias simples, mas engraçadinhas, que no fundo, no fundo, possuem uma mensagem escondida, que às vezes é um tanto cafona. Não sei se é uma prática natural ou o mal de todo escritor inexperiente, mas eu colocava muito de mim em todos os meus protagonistas. Escrevi o menino recatado da igreja, o nerdzinho tímido, a menina crente de bom coração, o garoto assexual que só queria fazer o mundo mais feliz, adultos que não tinham tempo para falar palavrão nem para transar... Fico até meio constrangido quando lembro as histórias que narrei antes de Gay de Família. Não porque elas sejam cafonas, isso elas são mesmo e eu amo, mas, caramba, eu estou pelado naquelas páginas. Todo mundo é muito eu. Ou alguém que eu já fui, alguém que sentaria comigo no recreio.

Mas em Gay de Família?

Eu escrevi "Sei que é ridículo achar que um brinquedo vai definir a sexualidade da criança no futuro. Meu pai me encheu de bola de futebol, e tô aí até hoje dando o cu", o que levantou a sobrancelha de alguns leitores.

Mas não satisfeito fui lá e escrevi também "Eu deveria chupar o pau do Ulisses até me dar câimbra na boca", o que foi no mínimo inesperado.


A verdade é que o Diego, o protagonista dessa história escrachada, tem bem pouco a ver comigo na superfície. Sejamos francos, no melhor sentido da palavra, o Diego é uma PUTONA. Eu nem sonho em viver tudo que esse gay já viveu na vida. O Diego é expansivo, extrovertido, por vezes explosivo. Diego fala sem pensar, bota a boca no trombone e se mete em barraco mesmo quando não precisa. Se ele quer dar, ele dá; Se quer chupar, ele chupa; Diego fala palavrão, xinga o irmão, explora as crianças. Eu criei um personagem interesseiro, malandro, fútil e fofoqueiro. Daí que AMEI cada linha disso.

Quando joguei Gay de Família no mundo e vi a história sendo abraçada por leitores, abrindo as portas de uma agência literária e de uma editora, eu soube que tinha acertado. Valeu a pena demais.

Só que em algum momento veio a síndrome do impostor. Ou uma prima dela, sei lá.

***

Com certeza ninguém fez por mal, mas uma vez cheguei num evento literário e me disseram "VOCÊ é o autor de Gay de Família??? Eu esperava, você sabe, um ser humano BEM GAY". Teve um amigo meu que me mandou mensagem esses dias perguntando se eu mesmo que tinha escrito aquilo. Mais de uma vez os leitores dos meus antigos blogs, gente que me acompanha desde o comecinho de tudo, me disseram que amaram meu livro, mas não imaginavam que eu era capaz daquilo. Mas meus parabéns, Felipe.

Por um lado, confesso, me sinto um escritor excelente. Não é essa a magia da ficção? Um bom ator não é aquele que interpreta personagens tão diferentes entre si que a gente até esquece que é a mesma pessoa por trás? Eu vivo dizendo isso: eu sou escritor, gente, meu trabalho é mentir por escrito. Em Gay de Família eu apenas menti muito.

Mas tem essa voz na minha cabeça que às vezes aparece dizendo que eu estou enganando todo mundo.

Você não é assim. Você não fala desse jeito. Você nunca fez isso, nunca fez aquilo, um dia vão descobrir que você é um gay farsante.

Daí que simplesmente minha história mais doida, elaborada pra ser uma novelinha de 6 capítulos, cai no gosto do povo. Quem leu quer mais. Me pedem mais livros no Twitter. Me perguntam quando vem a continuação no Instagram. A editora me sugere transformar Gay de Família num romance, um livro com muitos capítulos e páginas, várias páginas de Diego. Quem sabe uma série de livros. Eu tô aqui que não me aguento.

***

Andei me estranhando dia desses com Gay de Família, a versão final do romance. Fiz até um LEVANTAMENTO de quantas vezes escrevi uma frase que eu teria vergonha de dizer em público. Fiz mesmo, não é piada, esse é o top 10:

41 porra
16 transa
12 puta que pariu
11 cu
9 pau
9 putaria
9 foda
8 puta
7 sexo
5 caralho

Estava aqui pensando que talvez eu me sinta melhor se eu cortar esses números pela metade. Tipo, eu posso fazer isso. Eu sou o escritor. Quem sabe assim eu não entre em combustão imaginando minha mãe e meus conhecidos da igreja lendo o livro. Talvez desse jeito os leitores vão entender que quem escreveu essa história foi um gay básico e cansado de 30 anos.

PORÉM, ao mesmo tempo, eu fico: Mas eu estou com vergonha de quê? O Diego é assim. Existem muitos Diegos por aí e eles são válidos. Com as devidas ressalvas, não há nada de errado em ser como o Diego, em falar como o Diego, em transar com a mesma frequência que o Diego. Se você não tem um amigo Diego, você é o amigo Diego. Tenho vergonha de verem que escrevi um palavrão? Eu sou um homem de 30 anos, porra. Caralho. Boceta. Não sou mais um adolescente cantando os hinos da Harpa Cristã nos cultos de domingo. Ninguém paga as minhas contas. Ninguém pode me deserdar. Quanto mais eu penso a respeito, mas eu acho que é uma vergonha boba. Eu ainda a sinto, ela é real, mas é boba.

É verdade que eu cresci na igreja. Que meu primeiro beijo foi só com 26 anos. Que eu entrei no Tinder e casei com meu primeiro e único encontro. Também é fato que até hoje eu nunca bebi álcool. Que eu não tenho nenhuma aptidão física e mental para encarar um banheirão. Mas o que ninguém esperava é que, ah, meus queridos, eu tenho uma menta muito criativa e pelo visto muito safada também. 

Eu tenho que dar um jeito de me entender com isso.


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Todo mundo já sabe mais ou menos o que esperar quando começa a ler Dom Casmurro, do Machado de Assis. Quando meu clube do livro escolheu essa leitura no ano retrasado, já imaginei todo um debate gostoso sobre o bom e velho Capitu traiu ou não traiu. Sabe o que eu não esperava? Um tórrido romance LGBT nas entrelinhas e, principalmente, nas linhas.


Eu não tô brincando, gente. Sei que nesse blog faço piada com tudo, mas o subtexto homoerótico entre Bentinho e Escobar é real. Tudo começou com esse meme aqui:


Quer dizer, eu achei que fosse um meme, mas é toda uma teoria embasada nas pistas escondidas por Machado à espera do gay certo. Quanto mais eu ia lendo, mais ficava Nossa. Eita. Rapaaaaaaz. Juro pra vocês, a tensão sexual nas páginas de Dom Casmurro me balançou mais que os últimos romances gays que li. Chegou certo ponto do livro, eu não estava mais nem aí pra saber quem era Capitu, afinal nem se quisesse ela conseguiria alguma coisa com Escobar, que só tinha olhos para o Bentinho.

"Os padres gostavam de mim, os rapazes também, e Escobar mais que os rapazes e os padres"

Isso é quando Bentinho começa a contar como foi a adolescência dele no seminário, que é um colégio católico que forma padres, obviamente só para meninos. Assim... ATÉ AÍ TUDO BEM. Ele acabou de conhecer o Escobar e, de repente, já são grandes amigos. Até que vem essa confissão:

"Escobar, você é a pessoa que mais me tem entrado no coração"

"Bentinho, a verdade é que não tenho relações com ninguém aqui, você é o primeiro e creio que já notaram, mas eu não me importo com isso"

Logo em seguida, eles são repreendidos por um padre porque se abraçaram no pátio. O padre diz que eles não precisam demonstrar tanto afeto assim, "podem estimar-se com moderação". A solução dos dois amigos é dar as mãos às escondidas, longe dos olhares indesejados.

Eu não sei por que gastei minha adolescência inteira indo numa igreja evangélica se toda diversão acontece nos seminários católicos.

Ok que vocês podem achar pouco, mas eu não acabei. Amo a parte em que o Escobar conhece a mãe do Bentinho e percebe que ela é muito bonita.

"Está muito moça e bonita! Também a alguém há de você sair"

Meu deus, gente, que flerte sutil. Ao mesmo tempo em que Escobar elogia a mãe, encaixa rapidamente um elogio à beleza de Bentinho.

MANDARAM ISSO NO GRUPO DO CLUBE e achei pertinente

Existem outras passagens menos reveladoras, mas que carregam muito potencial quando lidas com os olhos certos. Quando Bentinho pergunta, irritado, por que Escobar não foi jantar na casa dele, e o segundo rebate que não foi convidado, para ouvir um "E precisa???". Ou as inúmeras vezes que Bentinho deixa claro que a opinião de seu amigo hétero Escobar é tudo que ele precisa ouvir. Ou ainda quando Bentinho APALPA os braços de Escobar, como um gay clássico, e diz "Nossa, que braços de nadador!"

De qualquer forma, porém, o detalhe que deixou minhas pernas bambas é o porta-retrato sobre a mesa do escritório do Bentinho com uma foto do Escobar. Isso mesmo, nosso protagonista trabalhando o dia todo olhando para a foto de seu grande amigo, como todos nós fazemos. Nenhuma menção a outras fotos, nem da Capitu, nem do filho, nem da mãe... Mas tudo bem! Intrigante inclusive que a foto foi dada pelo próprio Escobar como um presente. Não é uma foto deles juntos. Não é uma foto das famílias, não é um grupo de pessoas que por acaso inclui o Escobar. Não. É uma foto EXCLUSIVAMENTE DO ESCOBAR. Posando para a câmera. Não bastasse tudo isso, ainda vem com uma dedicatória:

"Ao meu querido Bentinho, do seu querido Escobar"

COMO É LINDO HOMENS QUE SE AMAM NA CAMA COMO AMIGOS!!!

Eu encerro meu caso aqui.

PS: Esse texto é uma versão revisada e atualizada do que antes foi publicado no meu falecido blog pessoal, o Não Sei Lidar.


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Digamos que eu seja marido de um gamer. Muito se fala da namorada do gamer, aquele estereótipo machista pra caramba da mulher insuportável que fica enchendo a paciência do cara de 30 anos que quer apenas passar a tarde inteira jogando FIFA 2021 ao invés de lavar a louça e cuidar do próprio filho recém-nascido, mas, tipo, eu nem tenho filhos. Nem de longe me representa. Não é disso que estou falando quando evoco as palavras marido de gamer.

Não tenho nada contra videogames, até já tive alguns consoles populares quando criança, mas, não sei, não são muito minha praia? Acho o conceito divertido, mas, se eu tivesse que montar um ranking com as minhas atividades favoritas, nas primeiras posições estariam ler, escrever, conversar, lá pelo meio ia ter cantar, ouvir música, transar, e mais pro finalzinho, dependendo do jogo, ia ter o videogame. Acontece que eu sou lerdo também, e qualquer coisa que exija uma resposta rápida já me apavora. OLHA O MONSTRO AÍ. Pronto, game over, me matou. Acabam comigo esses joguinhos de usar magia, matar bicho, coisas desmoronando, gente dando tiro, lutar com demônios gigantescos, Deus me livre. Meu tipo de jogo perfeito é aquele que tudo bem se eu demorar 5 horas para decidir meu próximo movimento. Ou seja, um joguinho de damas com a minha melhor amiga no asilo é o ideal.

Quando eu conheci o Arthur, havia eras que eu não interagia com um videogame. Nem tinha televisão na minha casa, pelo amor de Deus. Ver ele ali jogando todo dia, da mesma forma que eu leio todo dia, despertou algo diferente em mim: descobri minha verdadeira vocação no mundo dos games.

Não sou a namorada chata que tem que limpar bunda suja de bebê todo dia sozinha. Eu sou o copiloto do gamer.

Nossa, gente, é um trabalho extremamente necessário e eu todos os dias estou ali nos bastidores ajudando meu marido a alcançar o melhor desempenho possível. Posso ser um péssimo jogador, mas, modéstia à parte, sou ótimo em ficar apenas observando e comentando como se fosse um filme. Se eu fosse entrar no mercado profissional de maridos de gamers, o meu currículo seria mais ou menos assim:

  • 3 anos de experiência com foco em RPG e narrativas LGBT+. 
  • Excelente em puzzles. 
  • Análise precisa de todo o contexto emocional dos personagens envolvidos para tomadas de decisão. 
  • 92% de sucesso em desvendar o fio narrativo.
  • Curadoria de games (veto jogo chato e esteticamente desagradável).
  • Identificação imediata do personagem gay da trama, mesmo que o jogo nunca confirme.
  • Comentários engraçados ao longo de toda jornada, extremamente relevantes para levantar a moral do piloto.

Tweet de @felipe_fgnds: "Obriguei Arthur a mudar o cabelo do personagem porque tava feio e o jogo precisa ser esteticamente agradável pra eu acompanhar. Exijam seus direitos de cônjuge de gamer, meninas"

É uma carreira, sabe? Não é só sentar lá do lado com cara de cu e torcer pra jogatina acabar logo, é de fato participar. Eu adoro identificar os pontos fracos do Arthur como jogador e tentar preencher esse espaço com minhas habilidades. Por exemplo, ele odeia ler diálogos muito longos, documentos, manuais etc. Mas às vezes as respostas pra passar de fase simplesmente estão ali. Então eu faço uma leitura dinâmica e capto a informação.

 Pra onde será que tem que ir?
 Pro porão da fulana.
 Como você sabe???
 Ela disse.
 Quando???
 Ela literalmente acabou de dizer.

Também é importante exercer o que eu chamo de cyber sensibilidade, que é quando a gente percebe que o jogo não diz com todas as letras que ALGO vai acontecer, mas as pistas estão lá: na fotografia, na trilha sonora, nas viradas dos diálogos... Nunca vou esquecer o jogo de zumbi que Arthur estava jogando e eu disse "Calma, tem cara de ter um monstro nessa parte aí" e realmente tinha. Aí, depois de matar, ele foi andando todo serelepe, e eu:

 CALMA, deve ter um segundo monstro.
 Mas eu acabei de matar um, não faz sentido ter outro.
– Exatamente por isso eu colocaria um segundo monstro se eu fosse o dono desse jogo, porque o jogador que já matou um monstro acharia que seria demais ter mais um monstro aí.
 ...?
 Eu estou SENTINDO um segundo monstro.

E TINHA UM SEGUNDO MONSTRO!!! Enfim, cyber sensibilidade. Basta desenvolver.

No fim das contas, também é uma experiência muito gratificante pra mim. Eu sei, se você me acompanha há muito tempo provavelmente faz parte do Mundinho Leitores BR e acha que livros são o suprassumo do prazer humano alguns são mesmo GAY DE FAMÍLIA EM NOVEMBRO NA AMAZON. Talvez eu te mate agora: videogames também podem contar histórias maravilhosas! Realmente é isso, gente, às vezes Arthur está ocupado ou simplesmente não tá muito a fim de jogar naquele momento e eu fico PELO AMOR DE DEUS, CONTINUE A HISTÓRIA. Ou então eu sou o ocupado da vez e vejo ele pegar o controle e grito NÃO OUSE JOGAR SEM MIM. É mesmo como ler um livro, ver um filme, uma série, e às vezes há vários finais que vão depender das decisões que a gente toma no decorrer do jogo, coisa que livro nenhum nos proporciona, convenhamos. Não estou dizendo que é melhor, apenas que é uma mídia... diferente. E, se assim como eu você não tem interesse em jogar, talvez tenha interesse em assistir. Juro pra vocês, tô aprendendo muito sobre escrever livros assistindo meu marido jogar. Tem plots dentro de alguns jogos que acompanhei que fiquei UAU, ISSO DARIA UM LIVRO INCRÍVEL. Dependendo do jogo, tem muito drama, comédia (amo!), romance e cada vez mais gays, o que é sempre uma boa pedida.

Tweet de @felipe_fgnds: "Intrigado com a escolha estética de The Witcher 3 (só tem homem feio)"

Acho que meu conselho para quem juntou os trapinhos com um gamer e não é lá muito fã desse tipo de entretenimento é: se não pode vencê-lo, talvez tente se juntar a ele? Se pá, você até gosta. 

Mas isso não isenta seu macho de lavar uma louça nem trocar fralda não. Se valorize, mulher.

PS: A imagem no começo desse texto foi criada e cedida por StockGiu.


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Se você tem a curiosidade de saber como um casal homoafetivo SENTE quem é que tem que pedir o outro em casamento, já adianto que infelizmente não é hoje que você vai descobrir. Quem souber por favor me conta, porque comigo simplesmente aconteceu.


É engraçado porque pedir a mão de alguém tecnicamente envolve uma resposta: a pessoa pode dizer sim ou ser o dia mais humilhante da vida de quem pediu. Por isso que comigo e o Arthur nem passou pela minha cabeça ter que pedir nada. Como assim pedir por uma coisa que ele já me deu? Acredito que ele se sentia do mesmo jeito. Não estávamos casados no papel, mas parecia uma mera formalidade que alguma hora a gente ia cumprir porque alguém lá atrás gritou GAY RIGHTS e também porque tenho muito interesse em herdar o patrimônio dele quando ele morrer.

Fomos noivos de pandemia, sabe, mais um desse casais que decidiram passar a quarentena juntos. Causamos uma grande comoção na internet quando postamos nossa foto de CASADOS, mas a verdade é que pra gente mudou pouco ou muito pouco. Eu casei com alguém que já era meu marido. Então pra quê, sabe?

Para o Arthur, era questão da gente deixar tudo formalizado, porque vai que acontece alguma coisa que deixa um de nós com a mão na frente e outra atrás. No caso, eu morrer, né, já que sou idoso e Arthur fica doente apenas uma vez a cada cinco anos. Também é mais fácil para conseguir acesso a serviços que apenas casais conseguem, como plano de saúde compartilhado e coisas assim. Ainda bem que ele existe na minha vida para pensar nesses aspectos práticos, pois meus interesses eram apenas os mundanos. 

Sinceramente, não dou a mínima para casamentos. Acho as festas chatíssimas, tudo brega demais e, o pior de tudo, absurdamente caro. A indústria do casamento é uma máfia, eu tenho certeza. A gente só queria realmente formalizar, então nada de festa, nada de lua de mel, nada de convidados. Se tinha uma faísca de cerimônia acesa no meu coração, a pandemia matou, de qualquer forma. Nem avisamos ninguém, só pesquisamos o que tinha que fazer, agendamos no cartório e pronto.

Tweet de @felipe_fgnds: "Não me enchem os olhos os frufrus do casamento, pra mim é assinar um documento e pronto, EXCETO que sou obcecado por alianças. Quero que as pessoas me vejam e fiquem nossa um homem de aliança e eu sim sou um homem de aliança, aqui está a aliança no meu dedo"

Se na cabeça do Arthur era só um papel, na minha, ah, meus amigos, eu só queria saber da aliança. NÃO SEI EXPLICAR a sensação de empoderamento gay que uma aliança me dá. A primeira vez que eu saí do armário pra alguém foi um grande alívio, muito emoção e acolhimento. A segunda vez também, uma maravilha. Aí teve a terceira e a quarta e... ok, tudo certo. Na quinta e na sexta, eu já tava ai, porra, vai ser isso pra sempre? E, adivinhem, vai. Eu não aguento mais ter que revelar que sou gay, que estou num relacionamento com um homem. É uma informação muito simples, mas sempre passo pelo nervoso de imaginar a quebra de expectativa da pessoa, um pouquinho de medo da reação, um leve desconforto. Fico tentando descobrir o melhor momento de me assumir explicitamente e, se não encontro, depois fico me culpando por não ter deixado o mundo saber do meu #Orgulho. Isso cansa. A aliança no dedo já faz metade do serviço pra mim.

Eu entro no recinto, e as pessoas já sabem que ali vai um homem casado. Quem me conheceu solteiro já pergunta "Você casou???" e eu preciso apenas dizer "Sim, com o Arthur". Se a pessoa comete a gafe de presumir uma esposa, eu corrijo "esposa não, marido". É a vitória do gay sobre a heteronormatividade, gente! A aliança empoderadora de gay automaticamente me coloca na posição de controle da minha própria narrativa. Deixo para os outros o embaraço, pois eu estou bem seguro de mim com minha aliança.

Arthur acha tudo um grande delírio meu. Mas tudo bem!

Estava achando tudo muito divertido, daí que eu quase morri quando bati o olho nos valores. DOIS MIL REAIS NUM ANEL??? A essa altura do campeonato, eu já tinha perdido o Arthur faz tempo, porque ele é contra qualquer coisa que custe muito mais do que realmente valha. Convenhamos, gente, é só um anel. "Ah, mas é de ouro 18k". Sim, amiga, mas ainda assim é só um anel que você pode perder, pode passar um bandido e levar junto com o seu dedo... A verdade é que nunca fui de usar anel nenhum e não tinha ideia de quanto exatamente custava um comum. Bem ou mal, alianças tendem a ser argolinhas douradas e simples, mas, apenas por conta da comoção em torno de um casamento, custa os olhos da cara. Eu não queria começar meu casamento sendo a burra que perde dois mil reais porque foi lavar a louça e a aliança desceu pelo ralo.

Resolvi comprando uma aliança de R$ 7,99 kkkkkkkkk

Tweet de @felipe_fgnds: "A mulher foi assaltada e levaram a aliança dela, meu maior medo. Principalmente porque a minha custou 7,99 e o bandido me daria um tiro só pelo desrespeito ao trabalho dele"

Só assim pra eu ter a paz necessária para andar no Rio de Janeiro exibindo minha mão de homem casado. Aposto que quem vê a gente na rua, eu com aliança e Arthur sem, fica achando que é com ele com quem traio minha esposa grávida de 8 meses. Mas tudo bem! Tô dizendo que vai ser um teste, só pra ver se eu me acostumo. Se alguém reparar que é uma biju, vou dizer que é a aliança do bandido, a de verdade está em casa. Mas sei que, quanto mais eu uso essa, mais percebo que vou ficar com ela o tanto que ela durar. Vou ao mercado reparando no dedo das pessoas casadas e, sinceramente, não vejo diferença alguma. Talvez todo mundo use aliança de 7,99, então deveríamos normalizar isso.

A Meredith Grey, que é médica e podre de rica, casou via post-it e todo mundo achou fofo, então parece que o que vale é a intenção. Isso e o sentimento, coisa que aqui em casa tem de sobra.

Eu tô muito feliz, vocês nem precisam perguntar.


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Você já viu essa história: o menino branco que descobre que é gay depois de se apaixonar pelo melhor amigo. Essa também: um segundo menino branco muito parecido com o primeiro, mas que sofre bullying na escola porque também gosta de garotos. Ou os pais são homofóbicos e nunca irão compreender. Ou esses meninos precisam se aceitar e encontrar pessoas que os amam do jeito que são. Às vezes a família é horrível, às vezes a família é legal, mas os amigos estão sempre ali. No final, tudo dá certo, porque todos são muito fofinhos e o bem venceu. Preconceito não tá com nada! Viva os gays! etc.

Eu amo essas histórias.

Tanto que já abracei um MONTE delas. Em livros, séries, filmes, acho todas legais, até as que são claramente ruins. Eu bato o olho na capa e fico "Mais um adolescente gay branco descobrindo o amor, isso é EXTREMAMENTE necessário". Sei que parece que estou zoando, e eu estou, mas é necessário mesmo. Foi pra mim em alguma época da minha vida. Vai ser para os adolescentes de agora. Histórias simples, clichês, sobre o menino que gosta do colega de turma, sobre a menina que ama a melhor amiga, com dramas que se resolvem em uma conversa e finais felizes. Eu nunca vou dizer que não precisamos de mais histórias assim, porque passamos séculos vivendo na ditadura hétero e, convenhamos, os enredos também não eram lá muito originais.

Meu ponto é que eu, >EU<, preciso de algo além. Posso indicar escritores maravilhosos que fazem um trabalho incrível nesse sentido, voltado para o público adolescente, mas eu acho que já bati minha cota de escrever histórias juvenis. Até na leitura andam sendo exceções.


Eu acabei de entrar na casa dos trinta. Sei que sou um adulto, mas gosto de me ver como um adulto ainda em construção. Vamos admitir, eu ainda sei pouquíssimo sobre a vida. Eu nunca tive filhos. Casei praticamente ontem. Nunca perdi um ente querido. Já tomei decisões difíceis na vida, mas nada que fosse me destruir por completo se eu cometesse um erro. Nunca fui preso. Se pá nunca cometi um crime. Nunca passei por uma cirurgia complicada, nunca caí no soco com ninguém. Acho que vocês já me entenderam. Eu tenho tanto para descobrir! Em todos os filmes que assisto com personagens adultos, fico imaginando o que eu faria se fosse eu naquela situação limite. Os conflitos são tão densos e cheios de nuances que eu adoro discutir sobre eles, mesmo sem tê-los vividos propriamente. Tá, você é gay, e daí? Como você vai conseguir dinheiro para pagar seu aluguel? E seu marido que parou de falar com você do nada? E as crianças que você tem que tomar conta? Como você vai lidar com o ex que ainda mexe com seu coração e agora virou seu novo colega de trabalho? Sério, me diz como reagir quando sua mãe que te abandonou na adolescência simplesmente volta do nada dizendo que te ama? Para onde vão os gays depois dos 20?

Drama! Comédia! Brigas! Sexo! Amor! Mas um amor difícil, um amor que nem sempre vence no final. Um amor que nem sempre é suficiente. Um amor que, na verdade, te manda para o lado oposto do romance, porque às vezes aceitar quem você é dá em você entender que aquela pessoa não combina com você.

Eu amo histórias adultas. Gays adultos. Uns mais velhos, outros mais novos, mas todos já virando a página da saída do armário e caindo de cabeça nos dramas e comédias do dia a dia, da família/casamento/trabalho e das milhões de outras possibilidades. É isso que eu quero me focar em escrever, sabe? Enquanto eu me descubro, enquanto o leitor se descobre... Sei que já existem centenas de histórias retratando personagens LGBT+ adultos. As imagens nesse texto inclusive são dos filmes The Blonde One (ótimo!) e God's Own Country (PERFEITO). Mas eu quero mais. Quero eu mesmo desenvolver um conflito na ficção cuja solução eu desconheço na vida real. Estou muito feliz com Gay de Família, meu livro, agora sendo publicado de forma tradicional. Sinto que é o maior passo que minhas pernas já deram.


Não deixa de ser um desafio pra mim. Ainda fico todo constrangido quando preciso descrever um pênis. Às vezes, não sei se a situação realmente se desenvolveria desse jeito na vida real ou se é apenas um delírio da minha cabeça. Mas é fazendo que se aprende, né, é o que dizem. Felipe Fagundes descobre para onde vão os gays quando saem da escola. É assim que eu imagino que se chama esse novo capítulo da minha vida.


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Eu adoro clichês. Acho até que quem diz que não gosta está equivocado, porque clichês na ficção estão por toda parte. Você pode não gostar de alguns clichês específicos, mas é meio impossível um filme, uma série ou um livro não usarem de uma fórmula consagrada para alcançar o sucesso.

Já perdi a conta de quantas meninas esbarraram em meninos na escola, derrubaram livros no chão e se apaixonaram logo em seguida. Ou de quantas vezes a filha do presidente dos EUA foi sequestrada e um cara teve que ir lá salvar. Quantos homens tiveram sua família inteira assassinada por uma máfia e tiveram que buscar vingança dizimando sozinhos todo um exército? Quantas profecias milenares apontaram para um escolhido que era um rapaz completamente comum? Enfim, as histórias se repetem e pra mim tudo bem.

Bom, quase tudo bem. Chega uma hora que cansa, né, quando a fórmula é exatamente a mesma e parece que o enredo foi escrito por um algoritmo que analisou as últimas 100 histórias que lançaram do gênero e cuspiu o que deu. Mas, quando se utilizam dos clichês apenas para subvertê-los ou então para trazer uma realidade diferente do que acreditávamos ser uma experiência universal, meus olhos brilham.

É aquilo, gente, clichês são ótimos, mas clichês gays são melhores ainda. 

Sério, imaginem o filho gay do presidente sendo sequestrado e mandam atrás dele um agente especial que também é gay. Não me importam quem são os atores ou o diretor desse filme, eu já quero assistir. No meu coração, já ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Original e com sorte Melhor Filme.


Gay de Família, meu livro, segue essa proposta. Eu sempre adorei aquele clichê do homem musculoso, gostoso e às vezes um pouco bronco e perigoso, que do nada se vê obrigado a cuidar de um monte de crianças fofas. Fofas em parte, né, porque todas acabam se revelando pequenos diabinhos. Operação Babá. Um Tira no Jardim de Infância. Treinando o Papai. Eu poderia montar uma programação de uma semana com esses filmes incríveis na Sessão da Tarde e ainda assim não seria suficiente. Agora peguem esse grandão e o façam gay: isso é Gay de Família!


Escrever esse livro foi tudo de bom! Tirando a parte horrível de escrever qualquer livro que é, bom, de fato escrever o livro. Mas fora isso foi muito divertido! Além de incorporar o clichê em toda sua glória, Gay de Família também me permitiu explorar uma relação que eu nunca tinha visto em nenhuma ficção mainstream: a do tio gay com seus sobrinhos.

Outro tabu que servi quebrado me perdoem é o de que gays e crianças não se misturam. Fico pra morrer com discurso de gente doida de que a única relação que gays podem querer ter com crianças é a da pedofilia. Crianças mal podem saber que gays existem. "Ai, como eu vou explicar pro meu filho dois homens se beijando?". É exaustivo. Não apenas gays, mas todas as pessoas LGBT+, pasmem, já foram crianças um dia. Nós podemos ter filhos, sobrinhos, irmãos pequenos, podemos trabalhar com crianças, as possibilidades são muitas. Tantas que chega ser um absurdo não vermos milhares de histórias retratando essas relações por aí.

Meu Deus, tô quase dizendo que "Gay de Família" é um ato político. 

Talvez seja, mas também é uma história de entretenimento! Tudo que eu espero é que o leitor se divirta como eu me diverti, que ria das piadas, ame os personagens e abra o coração nos momentos dramáticos.

Não sei se você está feliz, mas leia "Gay de Família" para ficar :)


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