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Digamos que eu seja marido de um gamer. Muito se fala da namorada do gamer, aquele estereótipo machista pra caramba da mulher insuportável que fica enchendo a paciência do cara de 30 anos que quer apenas passar a tarde inteira jogando FIFA 2021 ao invés de lavar a louça e cuidar do próprio filho recém-nascido, mas, tipo, eu nem tenho filhos. Nem de longe me representa. Não é disso que estou falando quando evoco as palavras marido de gamer.

Não tenho nada contra videogames, até já tive alguns consoles populares quando criança, mas, não sei, não são muito minha praia? Acho o conceito divertido, mas, se eu tivesse que montar um ranking com as minhas atividades favoritas, nas primeiras posições estariam ler, escrever, conversar, lá pelo meio ia ter cantar, ouvir música, transar, e mais pro finalzinho, dependendo do jogo, ia ter o videogame. Acontece que eu sou lerdo também, e qualquer coisa que exija uma resposta rápida já me apavora. OLHA O MONSTRO AÍ. Pronto, game over, me matou. Acabam comigo esses joguinhos de usar magia, matar bicho, coisas desmoronando, gente dando tiro, lutar com demônios gigantescos, Deus me livre. Meu tipo de jogo perfeito é aquele que tudo bem se eu demorar 5 horas para decidir meu próximo movimento. Ou seja, um joguinho de damas com a minha melhor amiga no asilo é o ideal.

Quando eu conheci o Arthur, havia eras que eu não interagia com um videogame. Nem tinha televisão na minha casa, pelo amor de Deus. Ver ele ali jogando todo dia, da mesma forma que eu leio todo dia, despertou algo diferente em mim: descobri minha verdadeira vocação no mundo dos games.

Não sou a namorada chata que tem que limpar bunda suja de bebê todo dia sozinha. Eu sou o copiloto do gamer.

Nossa, gente, é um trabalho extremamente necessário e eu todos os dias estou ali nos bastidores ajudando meu marido a alcançar o melhor desempenho possível. Posso ser um péssimo jogador, mas, modéstia à parte, sou ótimo em ficar apenas observando e comentando como se fosse um filme. Se eu fosse entrar no mercado profissional de maridos de gamers, o meu currículo seria mais ou menos assim:

  • 3 anos de experiência com foco em RPG e narrativas LGBT+. 
  • Excelente em puzzles. 
  • Análise precisa de todo o contexto emocional dos personagens envolvidos para tomadas de decisão. 
  • 92% de sucesso em desvendar o fio narrativo.
  • Curadoria de games (veto jogo chato e esteticamente desagradável).
  • Identificação imediata do personagem gay da trama, mesmo que o jogo nunca confirme.
  • Comentários engraçados ao longo de toda jornada, extremamente relevantes para levantar a moral do piloto.

Tweet de @felipe_fgnds: "Obriguei Arthur a mudar o cabelo do personagem porque tava feio e o jogo precisa ser esteticamente agradável pra eu acompanhar. Exijam seus direitos de cônjuge de gamer, meninas"

É uma carreira, sabe? Não é só sentar lá do lado com cara de cu e torcer pra jogatina acabar logo, é de fato participar. Eu adoro identificar os pontos fracos do Arthur como jogador e tentar preencher esse espaço com minhas habilidades. Por exemplo, ele odeia ler diálogos muito longos, documentos, manuais etc. Mas às vezes as respostas pra passar de fase simplesmente estão ali. Então eu faço uma leitura dinâmica e capto a informação.

 Pra onde será que tem que ir?
 Pro porão da fulana.
 Como você sabe???
 Ela disse.
 Quando???
 Ela literalmente acabou de dizer.

Também é importante exercer o que eu chamo de cyber sensibilidade, que é quando a gente percebe que o jogo não diz com todas as letras que ALGO vai acontecer, mas as pistas estão lá: na fotografia, na trilha sonora, nas viradas dos diálogos... Nunca vou esquecer o jogo de zumbi que Arthur estava jogando e eu disse "Calma, tem cara de ter um monstro nessa parte aí" e realmente tinha. Aí, depois de matar, ele foi andando todo serelepe, e eu:

 CALMA, deve ter um segundo monstro.
 Mas eu acabei de matar um, não faz sentido ter outro.
– Exatamente por isso eu colocaria um segundo monstro se eu fosse o dono desse jogo, porque o jogador que já matou um monstro acharia que seria demais ter mais um monstro aí.
 ...?
 Eu estou SENTINDO um segundo monstro.

E TINHA UM SEGUNDO MONSTRO!!! Enfim, cyber sensibilidade. Basta desenvolver.

No fim das contas, também é uma experiência muito gratificante pra mim. Eu sei, se você me acompanha há muito tempo provavelmente faz parte do Mundinho Leitores BR e acha que livros são o suprassumo do prazer humano alguns são mesmo GAY DE FAMÍLIA EM NOVEMBRO NA AMAZON. Talvez eu te mate agora: videogames também podem contar histórias maravilhosas! Realmente é isso, gente, às vezes Arthur está ocupado ou simplesmente não tá muito a fim de jogar naquele momento e eu fico PELO AMOR DE DEUS, CONTINUE A HISTÓRIA. Ou então eu sou o ocupado da vez e vejo ele pegar o controle e grito NÃO OUSE JOGAR SEM MIM. É mesmo como ler um livro, ver um filme, uma série, e às vezes há vários finais que vão depender das decisões que a gente toma no decorrer do jogo, coisa que livro nenhum nos proporciona, convenhamos. Não estou dizendo que é melhor, apenas que é uma mídia... diferente. E, se assim como eu você não tem interesse em jogar, talvez tenha interesse em assistir. Juro pra vocês, tô aprendendo muito sobre escrever livros assistindo meu marido jogar. Tem plots dentro de alguns jogos que acompanhei que fiquei UAU, ISSO DARIA UM LIVRO INCRÍVEL. Dependendo do jogo, tem muito drama, comédia (amo!), romance e cada vez mais gays, o que é sempre uma boa pedida.

Tweet de @felipe_fgnds: "Intrigado com a escolha estética de The Witcher 3 (só tem homem feio)"

Acho que meu conselho para quem juntou os trapinhos com um gamer e não é lá muito fã desse tipo de entretenimento é: se não pode vencê-lo, talvez tente se juntar a ele? Se pá, você até gosta. 

Mas isso não isenta seu macho de lavar uma louça nem trocar fralda não. Se valorize, mulher.

PS: A imagem no começo desse texto foi criada e cedida por StockGiu.


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Foi numa quinta-feira que a pior coisa que pode acontecer a uma pessoa em home office aconteceu comigo: meu adaptador wi-fi USB queimou.

Meme da Mônica no computador, mas ao invés do famoso "ata" está escrito "Se vira, otária"

Sei que não parece, mas, além das profissões gay e escritor, eu também trabalho como analista de sistemas numa empresa de tecnologia. É na verdade o emprego que paga todas as minhas contas, já que escrever só me faz perder dinheiro. Ironicamente, a solução da Firma para eu poder trabalhar de casa quando a pandemia começou não foi me darem um notebook de última geração, mas, sim, me fazerem carregar UM PC DE MÉDIO PORTE até em casa. Achei que fosse piada quando me contaram, mas pisquei os olhos e lá estava eu num Uber equilibrando monitor, teclado e gabinete no colo. Isso e o adaptador wi-fi, que depois de um ano perdeu a vontade de viver, como todos nós.

Avisei meu chefe antes do adaptador pifar de vez, primeiro porque, se pifasse, eu não conseguiria mais trabalhar (Deus me livre usar meu 3G em prol da Firma, sou contra), segundo que eu estava pronto para sair para comprar um novo desde que meu chefe garantisse o reembolso. Ele garantiu! Então lá fui eu.

Gente, é impressionante como nada de bom acontece quando a gente sai de casa na pandemia. Não há mais felicidade no mundo exterior, apenas coronavírus. Esses dias vi um episódio de Solos (uma série que você não conhece porque é da Amazon Prime, a Record dos streamings) sobre uma mulher que não quer mais sair de casa mesmo com o fim de uma pandemia que já havia terminado há VINTE ANOS. Tenho certeza que ano que vem eu e essa mulher seremos a mesma pessoa. Mas enfim.

Personagem Sasha de SOLOS (Uzo Aduba) deitada num sofá lendo um livro dentro de uma casa de vidro cercada por uma floresta
Pra quê sair de casa se podemos ficar aqui dentro lendo pra sempre?

Comprei o adaptador numa loja aqui perto de casa, um modelo idêntico ao que eu tinha. Fui e voltei reclamando: do sol, de ter que andar, do desgoverno, de como a raça humana é completamente refém da internet e de que um dia os computadores vão se vingar de todos nós. Não demorou muito, na verdade, pois cheguei em casa e o adaptador não funcionou. Não conectava, não pegava rede.

Outro motivo que eu não comento muito ser um analista é que sou uma FARSA. Simplesmente odeio configurar coisas. Instalar programas, componentes, gadgets, devices... Prefiro a morte. Então quis entrar no caixão quando o adaptador se recusou a enxergar meu wi-fi. Tentei de tudo, principalmente chorar escorregando pela parede até o chão, mas foi o menos eficaz. Meu marido tentou ajudar e disse calmamente: deve estar com defeito, melhor ir lá trocar.

MEU DEUS, QUEM DIZ ISSO???? COMO ASSIM TROCAR SE EU ACABEI DE COMPRAR?

Foi uma tarde de muito sofrimento porque eu levantei mil argumentos de por que eu NÃO deveria ir lá incomodar o pessoal da loja com um problema que eu mesmo causei, mas Arthur me garantiu que eles trocam produtos o tempo todo e na grande maioria das vezes é um procedimento muito fácil. E que era isso ou eu mesmo pagar por um adaptador quebrado.

Tweet de @felipe_fgnds: "Acabei de passar por uma situação extremamente traumática: tive que voltar numa loja pra trocar produto que veio com defeito. Arthur não me deixou jogar fora e apenas fingir que nunca comprei"

Não sei dizer se é uma coisa da minha geração, mas eu odeio incomodar as pessoas. E trocar um produto numa loja é o mesmo que dizer para os vendedores "faça esse trabalho pra mim de graça e fique com um produto inútil que eu já abri, sua vadia".

Cheguei na loja mortificado, falei com a vendedora, mostrei a nota. Ela chamou a gerente, que me perguntou:

 Você tirou o lacre?
 Que lacre?
 Todos nossos produtos vem com lacre.

E, gente, realmente tudo na loja tinha lacre menos o adaptador que eu comprei. Eu não lembrava de ter tirado lacre nenhum, mas tinha certeza de que não tinha trocado o adaptador velho pelo novo, apesar de serem idênticos. ONDE estava meu lacre?

 Vamos ter que olhar nas câmeras então.

MINHA SENHORA, ME PRENDA AGORA, ME LEVE PRA CADEIA, É ISSO QUE A SENHORA QUER. Fiquei lá esperando, né, fazer o quê, minha sanidade mental completamente transformada numa sacolinha da C&A jogada ao vento. Já estava duvidando de mim mesmo, de repente ela ia olhar nas câmeras e descobrir que não apenas havia um lacre como também eu tinha cabelo moicano e me chamava Augusto.

Talvez fosse um teste, porque ela nem olhou nada. Vai ver desistiu, por todo o trabalho que ia dar procurar por um lacre minúsculo em horas e horas de vídeo pixelado. Saí da loja aliviado com meu adaptador novo LACRADO, mas com a mente em frangalhos.

Depois que a internet voltou a funcionar no meu computador, meu marido disse: Viu? Não disse que ia ser fácil?


Você tá feliz? Eu já estive mais.


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