Se você tem a curiosidade de saber como um casal homoafetivo SENTE quem é que tem que pedir o outro em casamento, já adianto que infelizmente não é hoje que você vai descobrir. Quem souber por favor me conta, porque comigo simplesmente aconteceu.


É engraçado porque pedir a mão de alguém tecnicamente envolve uma resposta: a pessoa pode dizer sim ou ser o dia mais humilhante da vida de quem pediu. Por isso que comigo e o Arthur nem passou pela minha cabeça ter que pedir nada. Como assim pedir por uma coisa que ele já me deu? Acredito que ele se sentia do mesmo jeito. Não estávamos casados no papel, mas parecia uma mera formalidade que alguma hora a gente ia cumprir porque alguém lá atrás gritou GAY RIGHTS e também porque tenho muito interesse em herdar o patrimônio dele quando ele morrer.

Fomos noivos de pandemia, sabe, mais um desse casais que decidiram passar a quarentena juntos. Causamos uma grande comoção na internet quando postamos nossa foto de CASADOS, mas a verdade é que pra gente mudou pouco ou muito pouco. Eu casei com alguém que já era meu marido. Então pra quê, sabe?

Para o Arthur, era questão da gente deixar tudo formalizado, porque vai que acontece alguma coisa que deixa um de nós com a mão na frente e outra atrás. No caso, eu morrer, né, já que sou idoso e Arthur fica doente apenas uma vez a cada cinco anos. Também é mais fácil para conseguir acesso a serviços que apenas casais conseguem, como plano de saúde compartilhado e coisas assim. Ainda bem que ele existe na minha vida para pensar nesses aspectos práticos, pois meus interesses eram apenas os mundanos. 

Sinceramente, não dou a mínima para casamentos. Acho as festas chatíssimas, tudo brega demais e, o pior de tudo, absurdamente caro. A indústria do casamento é uma máfia, eu tenho certeza. A gente só queria realmente formalizar, então nada de festa, nada de lua de mel, nada de convidados. Se tinha uma faísca de cerimônia acesa no meu coração, a pandemia matou, de qualquer forma. Nem avisamos ninguém, só pesquisamos o que tinha que fazer, agendamos no cartório e pronto.

Tweet de @felipe_fgnds: "Não me enchem os olhos os frufrus do casamento, pra mim é assinar um documento e pronto, EXCETO que sou obcecado por alianças. Quero que as pessoas me vejam e fiquem nossa um homem de aliança e eu sim sou um homem de aliança, aqui está a aliança no meu dedo"

Se na cabeça do Arthur era só um papel, na minha, ah, meus amigos, eu só queria saber da aliança. NÃO SEI EXPLICAR a sensação de empoderamento gay que uma aliança me dá. A primeira vez que eu saí do armário pra alguém foi um grande alívio, muito emoção e acolhimento. A segunda vez também, uma maravilha. Aí teve a terceira e a quarta e... ok, tudo certo. Na quinta e na sexta, eu já tava ai, porra, vai ser isso pra sempre? E, adivinhem, vai. Eu não aguento mais ter que revelar que sou gay, que estou num relacionamento com um homem. É uma informação muito simples, mas sempre passo pelo nervoso de imaginar a quebra de expectativa da pessoa, um pouquinho de medo da reação, um leve desconforto. Fico tentando descobrir o melhor momento de me assumir explicitamente e, se não encontro, depois fico me culpando por não ter deixado o mundo saber do meu #Orgulho. Isso cansa. A aliança no dedo já faz metade do serviço pra mim.

Eu entro no recinto, e as pessoas já sabem que ali vai um homem casado. Quem me conheceu solteiro já pergunta "Você casou???" e eu preciso apenas dizer "Sim, com o Arthur". Se a pessoa comete a gafe de presumir uma esposa, eu corrijo "esposa não, marido". É a vitória do gay sobre a heteronormatividade, gente! A aliança empoderadora de gay automaticamente me coloca na posição de controle da minha própria narrativa. Deixo para os outros o embaraço, pois eu estou bem seguro de mim com minha aliança.

Arthur acha tudo um grande delírio meu. Mas tudo bem!

Estava achando tudo muito divertido, daí que eu quase morri quando bati o olho nos valores. DOIS MIL REAIS NUM ANEL??? A essa altura do campeonato, eu já tinha perdido o Arthur faz tempo, porque ele é contra qualquer coisa que custe muito mais do que realmente valha. Convenhamos, gente, é só um anel. "Ah, mas é de ouro 18k". Sim, amiga, mas ainda assim é só um anel que você pode perder, pode passar um bandido e levar junto com o seu dedo... A verdade é que nunca fui de usar anel nenhum e não tinha ideia de quanto exatamente custava um comum. Bem ou mal, alianças tendem a ser argolinhas douradas e simples, mas, apenas por conta da comoção em torno de um casamento, custa os olhos da cara. Eu não queria começar meu casamento sendo a burra que perde dois mil reais porque foi lavar a louça e a aliança desceu pelo ralo.

Resolvi comprando uma aliança de R$ 7,99 kkkkkkkkk

Tweet de @felipe_fgnds: "A mulher foi assaltada e levaram a aliança dela, meu maior medo. Principalmente porque a minha custou 7,99 e o bandido me daria um tiro só pelo desrespeito ao trabalho dele"

Só assim pra eu ter a paz necessária para andar no Rio de Janeiro exibindo minha mão de homem casado. Aposto que quem vê a gente na rua, eu com aliança e Arthur sem, fica achando que é com ele com quem traio minha esposa grávida de 8 meses. Mas tudo bem! Tô dizendo que vai ser um teste, só pra ver se eu me acostumo. Se alguém reparar que é uma biju, vou dizer que é a aliança do bandido, a de verdade está em casa. Mas sei que, quanto mais eu uso essa, mais percebo que vou ficar com ela o tanto que ela durar. Vou ao mercado reparando no dedo das pessoas casadas e, sinceramente, não vejo diferença alguma. Talvez todo mundo use aliança de 7,99, então deveríamos normalizar isso.

A Meredith Grey, que é médica e podre de rica, casou via post-it e todo mundo achou fofo, então parece que o que vale é a intenção. Isso e o sentimento, coisa que aqui em casa tem de sobra.

Eu tô muito feliz, vocês nem precisam perguntar.