Eu sou introvertido.

Confesso que eu sempre soube, até porque não tinha outra opção. Eu ADORO ficar sozinho, e às vezes apenas um guindaste consegue me tirar de casa. Eu não "fico em casa", eu hiberno. Lugares com muita gente me cansam. Fico todo atrapalhado se preciso falar em público ou conhecer gente nova sem ter me preparado antes. Às vezes acho que virei escritor porque boa parte do meu trabalho é ficar conversando apenas com as vozes da minha cabeça.


Outro dia eu estava dizendo que foi uma grande surpresa eu descobrir que gosto de gravar tiktoks e reels, porque, né. Mas agora, pensando melhor, vejo que não tem nada mais introvertido do que ficar falando sozinho em casa, seja para uma câmera ou para as paredes. Não importa que eu estou aparecendo no celular de milhares de pessoas desconhecidas, que meus tweets vão a lugares que eu nem sabia que existiam, que meu livro chegue em cidades nas quais nunca pisei. Não estou vendo a cara de ninguém. Essas pessoas não estão aqui. Se estivessem, eu com certeza não escreveria nenhuma linha. Eu mando meu marido SUMIR quando quero gravar uma piada de humor duvidoso para o Tiktok.

Eu também pensaria que um ser humano com essa configuração teria dificuldade em interagir socialmente e cultivar amizades. Bom, ele tem mesmo. Eu tenho. Mas a questão é que, por ser introvertido, eu também penso demais e valorizo CADA PESSOA LEGAL QUE ENTRA NA MINHA VIDA. Justamente porque, pra começo de conversa, já foi dificílimo essa pessoa entrar.

Eu odeio perder pessoas.

Não estou falando de morte, embora seja mesmo horrível quando nossos amigos vão de arrasta pra cima, porque a morte na maioria das vezes é inevitável. Está além do nosso controle. Quando uma pessoa querida morre, o que nos consola é ficar grato pelo tempo que passamos juntos. A morte é compreensível. É, no mínimo, aceitável. A derrota para mim é quando perdemos pessoas que ainda estão vivas.

Vamos deixar para lá também as pessoas horríveis. As que pareciam amigas e deixaram de ser, as que nos magoaram de uma forma irreversível, essas precisam ir com Deus mesmo. A dor que eu sinto é quando pessoas que a gente gosta, pessoas comprovadamente legais, que fazem bem pra nossa saúde mental, nossa fauna e flora, pessoas que acima de tudo a gente sabe que GOSTAM DA GENTE, a dor é quando esse tipo de pessoa simplesmente some da nossa vida.

Assim, por qualquer motivo.

Usam muito a frase "A vida aconteceu". Por que vocês pararam de se falar? Não sei, a vida aconteceu. Ela foi indo mais para lá, eu fui vindo mais para cá. Um dia a gente se desencontrou de vez e estamos nisso. Nunca mais vi.

Você provavelmente sabe do que eu estou falando. Cadê aquela sua melhor amiga? E aquele cara que por um período da vida vocês conversavam horrores e trocavam confidências e agora você nem sabe direito se está vivo ou morto? E aquela pessoa que você conheceu, sei lá, na escola, na faculdade, que parecia ser da sua família e agora é só um @ no Instagram com o qual você nunca mais conversou além da troca de likes?


Não rolou uma briga, um desentendimento, não existe um ranço nem nada. Um dia você por acaso deixou para lá, no outro também, a pessoa também não veio atrás e ficou nisso. A vida aconteceu. Eu acabei de falar que a morte é inevitável e sei que amizades morrem, mas eu não aceito quando elas morrem assim.

Tenho pavor dessa vida que "acontece". Todo mundo tem uma vida, e uma característica dessas vidas é que de fato elas estão sempre acontecendo. Eu enquanto pessoa que pensa demais não consigo deixar meus amigos nas mãos disso. VOU PERDER UMA PESSOA MARAVILHOSA POR NADA??? Eu entendo desinteresse, entendo que as pessoas mudam, a descoberta de que na verdade vocês nunca foram tão compatíveis assim, mas existem pessoas incríveis que simplesmente saíram da nossa vida e a gente mal percebeu. Porque esquecemos de cultivar a amizade. Não por maldade, por descuido mesmo. Ou por ser impossível regar tantas amizades ao mesmo tempo, por algumas pessoas serem naturalmente mais presentes que outras ou por uns exigirem mais atenção.

O agravante de ser introvertido é que é muito fácil deixar as pessoas para lá.

Eu não tenho energia para ficar em contato o tempo todo. Eu não faço visitas com frequência, também não sou muito de chamar pessoas para minha casa. A verdade é que eu gosto de sair, mas quando estou em casa parece que esqueço disso. Eu adoro a minha própria companhia. É muito difícil eu sentir saudades de alguém. Aí é que mora o perigo. Quando eu pisco, passou 6 meses e esqueci o rosto de alguma amiga querida.

Alguns acham exagero da minha parte, mas óbvio que fiz uma lista. De amigos. De pessoas que eu gosto. Tem uns anos já. Todo mês eu vou lá e sorteio gente legal que não vejo há meses quando quero sair e ver o mundo. Pronto, tá todo mundo vivo, bonito e feliz comigo. Vamos para os próximos. O efeito colateral é que eu custo a perder gente. Demoro um ano para rodar a lista toda.

Meu marido fica apavorado com meus métodos robóticos de cultivar minhas amizades, mas nunca me apresentaram um jeito melhor. Arthur fica "Pra que isso??? É só marcar quando tiver vontade!". E quando eu tenho vontade, gente? Minha vontade é transformar minha casa num santuário e, quando a hora chegar, num jazigo.