Você já viu essa história: o menino branco que descobre que é gay depois de se apaixonar pelo melhor amigo. Essa também: um segundo menino branco muito parecido com o primeiro, mas que sofre bullying na escola porque também gosta de garotos. Ou os pais são homofóbicos e nunca irão compreender. Ou esses meninos precisam se aceitar e encontrar pessoas que os amam do jeito que são. Às vezes a família é horrível, às vezes a família é legal, mas os amigos estão sempre ali. No final, tudo dá certo, porque todos são muito fofinhos e o bem venceu. Preconceito não tá com nada! Viva os gays! etc.

Eu amo essas histórias.

Tanto que já abracei um MONTE delas. Em livros, séries, filmes, acho todas legais, até as que são claramente ruins. Eu bato o olho na capa e fico "Mais um adolescente gay branco descobrindo o amor, isso é EXTREMAMENTE necessário". Sei que parece que estou zoando, e eu estou, mas é necessário mesmo. Foi pra mim em alguma época da minha vida. Vai ser para os adolescentes de agora. Histórias simples, clichês, sobre o menino que gosta do colega de turma, sobre a menina que ama a melhor amiga, com dramas que se resolvem em uma conversa e finais felizes. Eu nunca vou dizer que não precisamos de mais histórias assim, porque passamos séculos vivendo na ditadura hétero e, convenhamos, os enredos também não eram lá muito originais.

Meu ponto é que eu, >EU<, preciso de algo além. Posso indicar escritores maravilhosos que fazem um trabalho incrível nesse sentido, voltado para o público adolescente, mas eu acho que já bati minha cota de escrever histórias juvenis. Até na leitura andam sendo exceções.


Eu acabei de entrar na casa dos trinta. Sei que sou um adulto, mas gosto de me ver como um adulto ainda em construção. Vamos admitir, eu ainda sei pouquíssimo sobre a vida. Eu nunca tive filhos. Casei praticamente ontem. Nunca perdi um ente querido. Já tomei decisões difíceis na vida, mas nada que fosse me destruir por completo se eu cometesse um erro. Nunca fui preso. Se pá nunca cometi um crime. Nunca passei por uma cirurgia complicada, nunca caí no soco com ninguém. Acho que vocês já me entenderam. Eu tenho tanto para descobrir! Em todos os filmes que assisto com personagens adultos, fico imaginando o que eu faria se fosse eu naquela situação limite. Os conflitos são tão densos e cheios de nuances que eu adoro discutir sobre eles, mesmo sem tê-los vividos propriamente. Tá, você é gay, e daí? Como você vai conseguir dinheiro para pagar seu aluguel? E seu marido que parou de falar com você do nada? E as crianças que você tem que tomar conta? Como você vai lidar com o ex que ainda mexe com seu coração e agora virou seu novo colega de trabalho? Sério, me diz como reagir quando sua mãe que te abandonou na adolescência simplesmente volta do nada dizendo que te ama? Para onde vão os gays depois dos 20?

Drama! Comédia! Brigas! Sexo! Amor! Mas um amor difícil, um amor que nem sempre vence no final. Um amor que nem sempre é suficiente. Um amor que, na verdade, te manda para o lado oposto do romance, porque às vezes aceitar quem você é dá em você entender que aquela pessoa não combina com você.

Eu amo histórias adultas. Gays adultos. Uns mais velhos, outros mais novos, mas todos já virando a página da saída do armário e caindo de cabeça nos dramas e comédias do dia a dia, da família/casamento/trabalho e das milhões de outras possibilidades. É isso que eu quero me focar em escrever, sabe? Enquanto eu me descubro, enquanto o leitor se descobre... Sei que já existem centenas de histórias retratando personagens LGBT+ adultos. As imagens nesse texto inclusive são dos filmes The Blonde One (ótimo!) e God's Own Country (PERFEITO). Mas eu quero mais. Quero eu mesmo desenvolver um conflito na ficção cuja solução eu desconheço na vida real. Estou muito feliz com Gay de Família, meu livro, agora sendo publicado de forma tradicional. Sinto que é o maior passo que minhas pernas já deram.


Não deixa de ser um desafio pra mim. Ainda fico todo constrangido quando preciso descrever um pênis. Às vezes, não sei se a situação realmente se desenvolveria desse jeito na vida real ou se é apenas um delírio da minha cabeça. Mas é fazendo que se aprende, né, é o que dizem. Felipe Fagundes descobre para onde vão os gays quando saem da escola. É assim que eu imagino que se chama esse novo capítulo da minha vida.